O bagaço da cana-de-açúcar, um dos principais resíduos da agroindústria brasileira, revelou-se promissor para ser usado em processo de descontaminação de água com concentração de íons metálicos potencialmente tóxicos. Um compósito – material híbrido que apresenta características distintas de seus precursores – produzido a partir do bagaço e de nanopartículas magnéticas removeu cobre e crômio em meio aquoso. Esses resultados foram obtidos por um grupo de pesquisadores brasileiros e publicado no periódico Environmental Science and Pollution Research.
O cobre é um metal maleável e bom condutor de eletricidade,
por isso muito usado na indústria, construção civil e em atividades agrícolas.
É largamente utilizado para controle de proliferação de cianobactérias em
reservatórios de água para consumo humano. Em pequenas quantidades é elemento
essencial a organismos vivos, mas em altas concentrações na água pode provocar
náusea, vômito e diarreia, segundo análises da Companhia Ambiental do Estado de
São Paulo (Cetesb).
Já a maior parte das emissões de crômio (Cr) para o ambiente
tem origem em atividade humana, destacando a aplicação em processos
industriais, como o curtimento de couro e o tingimento têxtil. A toxicidade
depende do seu estado de oxidação: o Cr(VI) é a forma mais tóxica, considerada
cancerígena, enquanto Cr(III) é um micronutriente essencial para a manutenção
do metabolismo em humanos. Devido aos seus efeitos adversos e à grande
quantidade de resíduos industriais contendo Cr(VI), novas técnicas empregando
biossorventes têm sido propostas para sua remoção em águas e efluentes.
Na pesquisa, o grupo brasileiro desenvolveu um compósito de
bagaço (resíduo de biomassa proveniente do processamento da cana pelas usinas
de etanol e de açúcar) e nanopartículas de magnetita sintéticas, mas que são
encontradas na natureza. O compósito apresenta propriedades adsorventes e
magnéticas, sendo eficiente na remoção de diferentes espécies químicas
contaminantes presentes no meio aquoso.
Após a remoção do contaminante pelo compósito por processo de
adsorção (pelo qual espécies químicas são retidas nas superfícies sólidas do
adsorvente), o material é retirado do meio aquoso pela ação de um ímã, deixando
a água limpa.
“Sua natureza híbrida, que une as propriedades da matriz
biológica [bagaço de cana] com as magnéticas das nanopartículas de magnetita,
permite que os materiais propostos no trabalho sejam versáteis. Ou seja, o
material também pode ser aplicado na remoção de moléculas orgânicas [corantes
sintéticos, drogas, hormônios e pesticidas], o que reforça seu potencial para
tratamento de água e efluentes”, escreveu o grupo nos artigos Nanomodified
sugarcane bagasse biosorbent: synthesis, characterization, and application for
Cu(II) removal from aqueous medium e Hexavalent chromium removal from water:
adsorption properties of in natura and magnetic nanomodified sugarcane bagasse.
As pesquisas tiveram como primeiras autoras as alunas Juliana
Tosta Theodoro Carvalho e Thais Eduarda Abílio, com a supervisão da
pesquisadora Elma Neide Vasconcelos Martins Carrilho, do Laboratório de
Materiais Poliméricos e Biossorventes (Lab-MPB), da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar), no campus de Araras, em colaboração com Geórgia Labuto, do
Laboratory of Integrated Sciences (LabInSciences) do Departamento de Química da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Diadema. A linha de pesquisa
tem apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).
De acordo com Carrilho, o estudo faz parte de uma série de
outros trabalhos que seu grupo vem desenvolvendo no Lab-MPB (UFSCar), usando
biomassas como biossorventes, alternativa viável e eficiente para a
descontaminação de ambientes aquáticos. Uma das pesquisas, apoiada pela FAPESP,
envolveu, por exemplo, o desenvolvimento de material adsorvente feito com
biomassa de levedura (resíduo também resultante de processos fermentativos da
indústria sucroalcooleira).
“Com esses materiais, a proposta é criar colunas de adsorção
em leito fixo contendo os compósitos adsorventes produzidos com resíduos de
biomassa que seriam descartados, considerados lixo, para atuarem como filtros
biossorventes. Esperamos que a produção científica com base no uso desse tipo
de tecnologia continue crescendo no Brasil e impulsione a bioeconomia no país”,
afirma.
Carrilho lembra que houve um crescimento considerável nos
últimos anos do número de pesquisas produzidas por cientistas brasileiros
envolvendo biossorção. Os biossorventes mais pesquisados no período são
originados de matéria-prima vegetal, seguido de algas e microrganismos. Esses
dados estão no capítulo assinado pela pesquisadora e por Labuto no livro
Bioremediation and Bioeconomy publicado em 2016.
Potencial
Segundo a pesquisadora, o interesse por estudos envolvendo
biomateriais e processos capazes de remover contaminantes do meio aquoso, como
hormônios, metais, pesticidas e outros, vem aumentando nos últimos anos,
principalmente diante dos cenários de escassez de água traçados para o futuro.
Os recursos de água doce disponíveis por pessoa no mundo diminuíram
mais de 20% nas últimas duas décadas. O dado está no mais recente relatório da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO),
publicado em novembro de 2020.
O documento The State of Food and Agriculture 2020 aponta que
“melhorar a gestão da água, apoiada por uma governança eficaz e instituições
fortes, incluindo a segurança da posse e direitos, será crítica para garantir a
segurança alimentar e nutricional globalmente”.
Além disso, cerca de 2,2 bilhões de pessoas no planeta têm
dificuldade de acesso à água potável e 4,2 bilhões não têm saneamento adequado.
Com os impactos das mudanças climáticas previstos até 2050, entre 3,5 bilhões e
4 bilhões de pessoas viverão com acesso limitado à água, sendo que mais de 1
bilhão devem morar em cidades.
Apenas 3% da água do mundo é doce, mas somente metade está
acessível (o restante é parte de geleiras e aquíferos inacessíveis). Já o
território brasileiro concentra 12% da água doce do mundo. Como é a mesma
quantidade de água que circula continuamente pelo planeta, a importância do
tratamento é cada vez maior. Pelos dados da ONU, 80% das águas residuais não
recebem tratamento antes de serem devolvidas ao meio ambiente.
Outras aplicações
Carrilho lembra que os nanocompósitos magnéticos estudados
pelo grupo também têm potencial para auxiliar na remoção de óleos (como o
petróleo cru) da superfície da água em casos de derramamento.
Em testes de laboratório, os cientistas já conseguiram que
outros compósitos – feitos à base de resíduos de biomassa e magnetita –
removessem petróleo bruto e outros tipos de óleo derramados em água, com mais
de 80% de eficácia. Esse projeto também tem o apoio da FAPESP
Fonte: Agência FAPESP
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