Em fevereiro de 1993, o governo federal assinou a regulamentação do carro popular. Para ser apto a pagar apenas 0,1% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) na época, o motor do veículo não poderia ter mais que 1.000 cm³. A partir de então, as montadoras nacionais correram para se aproveitar dessa facilidade que prometia aumentar as vendas ao oferecer carros mais baratos e simples.
Foi daí que surgiram modelos como o Fiat Uno Mille, VW Gol
1000 e outros de menor sucesso, como o Chevrolet Chevette Júnior e o Ford
Escort Hobby. A pressa foi tanta que, praticamente do dia para noite, carros
pesados com motor 1.6 saíam das fábricas com propulsores 1.0. Com o tempo, a
indústria se adaptou, e carros mais eficientes chegaram ao mercado do “carro
mil”, como o Chevrolet Corsa e o Fiat Palio.
Entre o final da década de 1990 e o início do ano 2000, esse
modelo fez sucesso. Em 2001, dados da Fenabrave, a Federação Nacional da Distribuição
de Veículos Automotores, mostravam que 69,8% dos carros vendidos naquele ano
estavam equipados com motores 1.0 ou menores. Mas os tempos mudaram.
Início do fim?
Em 2016, os dados mostraram que a participação dos carros 1.0
no total de vendas havia caído para 33,1%. Porém, voltou a crescer desde então.
Isso não quer dizer que o consumidor retomou o interesse por esse tipo de
veículo, porém. Nesse período, as montadoras começaram a investir em
propulsores 1.0 turbinados, mais caros e eficientes, para modelos mais
custosos.
Se o termo é “carro popular”, um modelo 1.0 turbo
dificilmente se enquadra. Para evitar essa disparidade, a Fenabrave tem um
enquadramento específico para carros acessíveis, chamado de “Veículos de
Entrada”. Ele leva em consideração tanto o motor quanto a proposta do carro. Em
2003, pico de participação dessa categoria, eles representavam 49,1% das vendas
no Brasil. No ano passado, eram apenas 12,7%.
Sinais de alerta
Além da participação baixa no mercado, os carros de entrada
ou populares são cada vez mais difíceis de se encontrar. Na categoria da
Fenabrave, hoje estão presentes apenas seis modelos, sendo que, entre eles, o
VW up! acaba de sair de linha, logo após a Toyota ter feito mesmo com o Etios.
Agora, apenas Fiat Mobi, Renault Kwid, Volkswagen Gol e Fiat
Uno são enquadrados como carros de entrada. Os dois primeiros já passaram dos
R$ 40 mil, e o Gol tem versões ultrapassando os R$ 76 mil. O Uno também tem o
destino incerto, e a Fiat deverá decidir sobre seu futuro até o final de 2021.
Enquanto apenas quatro carros 0 km são considerados
oficialmente como “populares”, a Fenabrave classifica mais de 40 modelos como
SUVs. Ou seja, para cada carro de entrada, existem 10 vezes mais utilitários
esportivos sendo oferecidos no mercado.
Está cada vez mais caro produzir um carro popular
Mesmo com incentivos fiscais, os preços dos carros populares
estão acompanhando o mercado e sofrendo consecutivos reajustes. Apesar de terem
o propósito de democratizar o acesso a um automóvel 0 km, eles não estão livres
das exigências legais, sejam elas por segurança ou por proteção ao meio
ambiente.
Em 1993, um Fiat Uno Mille era bem mais do que básico.
Encostos de cabeça e espelho do lado do passageiro eram considerados artigos de
luxo. O motor, ainda carburado, não era nenhum exemplo de eficiência
energética, muito menos de baixas emissões de poluentes.
Nas últimas décadas, itens como catalizadores e sistemas de
captura de gases já começaram a pressionar os valores dos carros populares. Com
metas cada vez mais restritas de emissões, as montadoras precisaram desenvolver
propulsores mais modernos e tecnológicos, o que acrescentou custos ao
desenvolvimento.
Do lado da segurança, o carro popular foi criado em um tempo
em que o uso de cinto de segurança nem era obrigatório. Hoje, sem itens como
freios ABS e airbags, o carro não pode nem ser fabricado.
Em 2024, também terá início a exigência de controle de
estabilidade em todos os veículos feitos por aqui. E toda a tecnologia que
entra no carro gera custo.
O público está muito mais exigente
Você compraria um carro hoje sem ar-condicionado? Se você
disse não está junto à maioria dos compradores. Os primeiros carros populares
ainda tinham quebra-vento e, hoje, se o vidro não for elétrico, causa má
impressão nos consumidores.
E ainda há a conectividade. Centrais multimídia com tela de
toque é algo que se popularizou nos últimos seis anos, e apenas os mais simples
dos carros populares não oferecem esse recurso.
Ao deixar os carros mais equipados, as montadoras estão
fazendo mais do que atender aos anseios dos compradores. Quanto mais tecnologia
embarcada, maior é a oportunidade de lucro das fabricantes. É o tal do “maior
valor agregado”. De qualquer forma, mesmo que existisse um carro 0 km vendido
hoje, mas com a simplicidade do Uno Mille de 1993, o seu sucesso seria
improvável.
Quem não tem dinheiro, está olhando carros usados. Quem tem,
não quer carro simples
Não faz muito tempo que a Fiat ofertava o Mobi em promoção
por menos de R$ 30 mil, atingindo em cheio uma camada da população que, de
outra forma, estaria olhando carros usados. Hoje, com a desvalorização do real
e os preços partindo de mais de R$ 40 mil, essa parcela da população voltou a ser
alienada da possibilidade de ter um 0 km.
Na outra ponta do espectro, quem ainda tem dinheiro o
suficiente para comprar um automóvel novo estava fazendo valer cada centavo.
Por exemplo: enquanto os carros populares minguam, a Porsche viveu em 2020 o seu
melhor ano de vendas da história no Brasil.
As montadoras partiram para os SUVs
Sabendo que o público está de olho nos utilitários
esportivos, as fabricantes viram que existe mais oportunidade de lucro nos
SUVs. Maiores, exigem valores mais altos dos compradores. Ao contrário dos
populares, que têm margens pequenas e exigem um volume alto de vendas para
fazer sentido, os utilitários esportivos apresentam uma possibilidade de se
obter mais lucro por unidade comercializada.
Tanto que a onda indiana de mini-SUVs deve chegar em breve ao
nosso mercado e ser o último prego no caixão do carro popular.
Perdeu sentido?
Ter um carro novo no Brasil nunca foi barato. Se, de um lado,
os métodos de produção mais modernos tornaram a fabricação mais barata, de
outro, os compradores e os governos exigem cada vez mais conteúdo e puxam os
valores para cima. Parece até que não há mais sentido em um “carro popular”.
Mas o termo foi criado para um tipo de veículo que tinha por
missão aumentar a parcela da população apta a ter um veículo 0 km, trazendo
benefícios como a redução da idade média da frota nacional. Ele nunca designou
carros simples. Então, quem sabe, seja possível reviver o ano de 1993 no
futuro.
As informações são da CNN Brasil.
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