A pandemia mudou os hábitos dos seres humanos do planeta. Novos protocolos de comportamento social e de atendimento médico foram criados em apenas um ano de propagação do novo coronavírus. Como os profissionais de saúde estão conseguindo atender pacientes com outras doenças não provenientes da Covid-19? Fomos procurar a resposta junto a um dos mais renomados neurocirurgiões do Brasil: Paulo Niemeyer. Ainda jovem, já na sua residência profissional, ele trilhou o caminho da neurocirurgia, na Casa de Saúde Dr. Eiras. E seguiu seus estudos no The National Hospital for Nervous Diseases, Institute of Neurology, University of London, Queen Square, onde estagiou como Post-Graduate Fellow. Niemeyer fez muita coisa na vida, e sempre galgando mais um degrau de reconhecimento. Em 1986, realizou concurso para Professor Titular da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio, tendo sido aprovado em 1º lugar. Em 1987, foi aprovado como Membro Internacional da Sociedade Norte-Americana Congress of Neurological Surgeon. Em 1989 foi eleito Membro do Neurotraumatology Committee do Word Federation of Neurological Societies. Hoje, um dos seus maiores desafios é ser diretor médico do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer e Membro do Conselho da Fundação do Câncer.
Quais são os reais gargalos da Saúde brasileira?
O principal gargalo, no momento, é a falta de vacina. Quando
falamos da medicina brasileira, o gargalo é o subfinanciamento do SUS e sua
gestão excessivamente lenta e burocratizada. Nenhum sistema de saúde no mundo,
entretanto, é eficaz diante de uma pandemia como a que vivemos. Em tempos
normais, precisávamos aproximar medicina pública e privada, que são tão
independentes. Quando me perguntam sobre a medicina brasileira, não sei se devo
falar da privada ou pública, tal a distância. Seríamos mais eficientes se ambas
fossem parceiras. Em alguns casos, pode ser mais barato e eficaz para o SUS
contratar serviços privados, que já existam, do que montar a sua própria
estrutura. E vice-versa. Os planos de saúde deveriam, também, ressarcir o SUS
quando seus segurados utilizam, de graça, os hospitais públicos.
Com o agravamento da pandemia, colapso nos hospitais, e
dificuldade de disponibilidade de profissionais de Saúde, como o senhor está
fazendo para realizar cirurgias de emergência?
Até agora, as cirurgias eletivas continuam sendo realizadas
normalmente. Os hospitais reservam áreas isoladas para os pacientes com Covid,
o que permite o atendimento normal de outras doenças. Tenho operado,
diariamente, seguindo os protocolos de segurança, com testagem para Covid das
equipes médicas, pacientes e acompanhantes.
Durante a pandemia, como andam as atividades do Instituto
Estadual do Cérebro, único hospital do Brasil especializado em cirurgias
cerebrais?
O Instituto Estadual do Cérebro realiza mais de mil cirurgias
cerebrais de alta complexidade, por ano, tendo se tornado uma referência em
nosso Estado. Além da parte assistencial temos também ensino e pesquisa
clínica. No início da pandemia, em 2020, fomos transformados em hospital de
Covid, o que foi um erro, pois não somos um hospital geral para atender uma doença
infecciosa que atinge todos os órgãos e necessita de diferentes especialistas.
Foi um momento muito difícil para os profissionais do Instituto. Felizmente
retomamos nossas atividades fins, tratando aqueles com epilepsia, tumores
cerebrais, hemorragias e outras afecções neurológicas graves de pacientes que
ficaram desamparados naquele período. Estamos trabalhando normalmente,
realizando cerca de dez cirurgias cerebrais por dia, testando para Covid todos
os pacientes, antes da internação, assim como aqueles profissionais com
suspeita da doença.
O que pode ser feito imediatamente para melhorar o
atendimento para a população sem prejuízo do tratamento de doenças que não
sejam somente respiratórias?
A menos que haja um aumento expressivo do número de casos, os
hospitais manterão as áreas exclusivas para os pacientes com Covid. Os
atendimentos de especialidades de alta complexidade, como neurocirurgia,
cirurgia cardíaca e oncologia, por exemplo, não devem ser interrompidos, pois
tratam de pacientes que não podem esperar, com doenças que ameaçam a vida
igualmente.
O senhor tem ajudado também no enfrentamento da pandemia.
Quais as lições que o senhor aprendeu neste período?
O que eu aprendi é que a única conduta eficaz é a prevenção,
e, neste momento, contamos apenas com a possibilidade de isolamento social. No
último ano, passamos a conhecer melhor a doença, mas muito pouco sobre o
tratamento. Devemos manter a luta pela vacina, pois só assim teremos paz.
Enquanto as vacinas não chegam, o que é preciso fazer prioritariamente
para amenizar o drama de saúde da população?
Enquanto a vacina não chega em número suficiente, só nos
resta o isolamento social, uso disciplinado de máscaras e procurar manter as
atividades profissionais com todos esses cuidados. E, naturalmente, o auxílio
emergencial do governo é fundamental para evitar um drama social ainda maior.
Por que parte da sociedade aderiu ao negacionismo?
Não sei a melhor resposta, mas acredito que se deva em parte
à desinformação e muito ao oportunismo de todo tipo.
Os profissionais de saúde estão exaustos e, além disso, o
país descobriu que não tem intensivistas em quantidade e com qualificação para
suportar a gigantesca demanda de pacientes. O que pode ser feito?
Estamos vivendo um terremoto. Todos ajudam do jeito que é
possível, sem coordenação. Não há especialistas nem leitos hospitalares em
número suficiente. Voltamos então à única solução do momento, que é recomendar
a prevenção com isolamento.
Qual a contribuição de especialistas como o senhor - e outros
- podem dar neste momento grave da saúde brasileira?
Numa pandemia, a mídia e as informações corretas são
fundamentais. Salvam vidas instruindo a população como agir e evitar a
contaminação. Como neurocirurgião, só posso ajudar estando aqui para reforçar
as medidas preconizadas pelas sociedades médicas, baseadas no conhecimento
científico.
Quais os principais acertos e erros das autoridades que
conduzem o enfrentamento da pandemia?
Os erros são bem conhecidos e decorrentes do negacionismo,
como o atraso na aquisição das vacinas e descrédito nas medidas de prevenção.
Os acertos, infelizmente, foram as medidas mais duras de isolamento social nos
momentos mais críticos. E agora, o acerto maior, a vacinação em curso, ainda
que lenta.
FONTE: SIDNEY REZENDE – O DIA
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