Imagine chegar à emergência de um hospital com fortes dores e
não conseguir passar para o médico o que está sentindo? O casal Patrick Elias e
Raquel Talon, que são surdos e não aprenderam a falar, faz parte dos mais de
9,7 milhões de pessoas que têm deficiência auditiva no Brasil, segundo o IBGE.
Mas ao procurar a emergência de uma unidade do SUS em Italva,
no Noroeste do Rio de Janeiro, no último domingo (28), o auxiliar de serviços
gerais, de 40 anos, e a artesã, de 27, foram surpreendidos pela atitude do
médico, que começou a se comunicar em Libras, a Língua Brasileira de Sinais.
O G1 entrevistou o casal, que vive na zona rural de São
Fidélis, cidade vizinha a Italva. Quem ajudou a intermediar a entrevista foi a
cunhada de Patrick, Rilva Oliveira.
"Não acreditei quando vi o médico falando em Libras com
a gente, fiquei muito feliz", disse Patrick, que era, no caso, o paciente.
Se para o casal foi a primeira experiência, para Dr. Fred
Nicácio, foi a terceira. Ele contou à reportagem que não é fluente em Libras,
mas consegue se comunicar e entender os sintomas do paciente.
"Eu consigo entender o que eu preciso para medicar,
saber mais sobre a doença e sobre os sintomas deles. Parece que não vai sair
que você não sabe nada, mas na hora sai", disse o médico.
Nicácio contou ainda que logo que o casal entrou Raquel já
assumiu a comunicação informando que eram surdos. Ele respondeu prontamente com
os sinais.
'Boa tarde! Tudo bem! Sentem-se!'
"Foi muito bonita a reação deles. Ver aquele brilho no
olhar de que, realmente, tem alguém ali entendendo a sua dor, literalmente. Tem
alguém que consegue te compreender. Muito maneiro!", lembra o médico.
Raquel já nasceu com a deficiência auditiva e, apesar de
também não ser fluente em Libras, concluiu o ensino médio e desenvolveu a
escrita. Já Patrick, perdeu a audição aos 7 anos devido à uma meningite, depois
não conseguiu mais desenvolver a habilidade da fala. Ele estudou até a 4ª série
do antigo ensino fundamental, mas não conseguiu se alfabetizar, por isso, precisou
da ajuda da mulher durante o atendimento médico.
"Gostei muito e não estava esperando. Fiquei muito
surpresa e feliz com o atendimento prestado a nós dois", conta Raquel.
Dr. Fred explica que a Língua Brasileira de Sinais é uma
matéria eletiva disponibilizada por algumas faculdades, mas, para ele, deveria
ser obrigatória.
"É de suma importância que os médicos saibam pelo menos
o básico de Libras. Eu já tive experiência na adolescência, então, para mim,
foi algo mais fácil. Mas existia na minha faculdade a matéria eletiva, e
pouquíssimos alunos faziam. Pelos menos na área de saúde, deveria ser de ensino
obrigatório, como na fisioterapia, odonto e enfermagem. Não sei se Libras é
disponível em todas as faculdades, mas, na minha, pra minha sorte, tinha",
explica.
Com mais essa experiência, Dr. Fred disse que vai continuar
se aprimorando em Libras.
"Eu acho que outros vão me procurar, pois agora todo
mundo tá sabendo. Vou ter que me preparar um pouco melhor", brinca, mas
falando sério, pois, para ele, conseguir compreender o outro é um gesto de
amor. E dessa disciplina, Dr. Fred entende bem.
"Uma amiga me disse que eu sou fluente na linguagem do
amor, e que isso é universal. Foi tão gostoso de ouvir, pois fazendo as coisas
com amor, elas acontecem. Pode não sair perfeito, mas sai da melhor maneira
possível", disse o médico, que também postou o encontro inclusivo nas
redes sociais. No Instagram, a postagem já tem mais de 61 mil visualizações.
G1/Norte Fluminense
Casal de surdos, Patrick e Raquel, teve atendimento especial por médico que sabia usar a Libras em Italva, no RJ — Foto: Rilva Oliveira/Arquivo pessoal
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