A GloboNews revelou com exclusividade
um esquema de servidores fantasmas no governo do estado do Rio de Janeiro. Os
funcionários estão na folha de pagamento da Superintendência de Desportos do
estado, a Suderj, que é ligada à Secretaria de Esportes, recebem seus salários,
mas batem ponto em outro endereço. O repórter Marcelo Bruzzi e o repórter
cinematográfico Rafael Martinez investigaram durante mais de um mês
funcionários que recebem salários de até R$ 6,6 mil dos cofres públicos sem
aparecer para trabalhar.
Repórter: Você
recebe salário como funcionário do governo do estado e não trabalha. Quer se
manifestar sobre isso?
Ele não responde, tenta derrubar a
câmera e sai correndo...
O homem que ficou descontrolado com
uma simples pergunta é Jocinei Santos da Costa. Na rede social, simpático, ele
se apresenta como Jôce do Bornier. Bornier é um sobrenome conhecido na política
do Rio de Janeiro. Nelson Bornier foi três vezes prefeito de Nova Iguaçu,
cidade da Baixada Fluminense.
Filho de Nelson, Felipe Bornier foi
deputado federal por três mandatos. Desde o início deste ano, é secretário
estadual de Esportes do governo de Wilson Witzel.
Logo no primeiro mês da nova gestão,
Jocinei ganhou o cargo de assessor na Suderj, a Superintendência de Desportos
do estado, ligada à Secretaria de Esportes.
A Suderj é a responsável pela
administração de cinco centros esportivos, como o parque aquático Júlio
Delamare e o antigo estádio de atletismo Célio de Barros.
A sede da Suderj fica no 21º andar de
um prédio no centro do Rio. Esse deveria ser o local de trabalho de Jocinei
Santos.
Mas uma selfie, sorridente, publicada
pelo próprio assessor no dia 6 de agosto, uma terça-feira, indica que ele bate
ponto em outro lugar.
Na mesma sala, um Jocinei orgulhoso
exibe um certificado: auxiliar de propaganda e marketing. As fotos foram
tiradas a 40 quilômetros de distância da Suderj, num endereço particular em
Nova Iguaçu. Essa cidade não tem nenhum centro esportivo administrado pela
Suderj.
O salário de Jocinei, de R$ 4.650, é
pago com dinheiro público. O décimo terceiro já até caiu na conta. Em 12 meses,
ele ganhou mais de R$ 50 mil dos cofres do estado.
Quando a GloboNews ligou para a
Suderj à procura do servidor, essa foi a reação da secretária da presidência:
Secretária: Jocinei? Ele trabalha
aonde, senhor?
Repórter: Aí é da Suderj?
Secretária: É.
Repórter: Ele não trabalha aí?
Secretária: Não sei, senhor. Não sei
lhe informar
“É um caso clássico de improbidade
administrativa, no artigo nono, que é o enriquecimento ilícito, que é o
servidor público receber uma remuneração e não dar a contraprestação, que seria
o seu serviço. Sem falar também no artigo 312 do Código Penal, que seria o
peculato, a figura clássica de peculato”, diz Mauro Gomes de Mattos,
especialista em administração pública.
Quarta-feira, 6 de novembro. Mais um
dia bem longe da repartição pública. Por volta de meio-dia, Jocinei aparece com
sacolas de um hortifruti.
Nesse momento, entra em cena uma
outra pessoa que está na folha de pagamento do governo do Rio e que também tem
uma relação bem próxima com a família Bornier: Alessandra Coutinho Cathoud
Ventura.
Nas eleições do ano passado, com
adesivo no peito, Alessandra e Jocinei pediram votos para o então candidato a
governador Wilson Witzel.
Ela até vestiu a camisa da campanha e
posou com Witzel e Felipe Bornier, que era candidato ao quarto mandato como
deputado federal.
Em fevereiro deste ano, depois que
Felipe Bornier assumiu a Secretaria de Esportes, Alessandra virou assistente da
vice-presidência administrativa da Suderj. O salário: R$ 6,6 mil.
Dez meses depois que Alessandra
ganhou a vaga no governo do Rio, encontramos a servidora, em seis dias
diferentes, em Nova Iguaçu, em horários de expediente.
Um centro aquático, que não tem nada
a ver com a Suderj, faz parte da rotina dela. Foi exatamente ali que a
reportagem da GloboNews encontrou Alessandra com as sacolas de compras. A
GloboNews ligou, mais uma vez, para a presidência da Suderj.
Repórter: Boa tarde, eu poderia falar
com a Alessandra?
Secretária: Alessandra? Aqui é
Suderj.
Secretária: Aqui é uma repartição do
estado, Suderj.
Repórter: E não tem nenhuma servidora
com esse nome?
Secretária: Alessandra... (tom de
desconhecimento)
SERVIDOR ADMITE QUE É FUNCIONÁRIO
FANTASMA
Quem também é funcionário público,
mas não aparece para trabalhar é Abílio Henriques Quintal. Ele começou 2019
ganhando o cargo em comissão de assistente da Divisão de Manutenção do Departamento
de Engenharia da Vice-Presidência Administrativa da Suderj. Mais uma vez, A
GloboNews entrou em contato com a Suderj:
Repórter: E Abílio Henriques Quintal?
Secretária: Também não sei lhe
informar.
Se a secretária da Suderj não conhece
o Abílio, quando foi abordado pela GloboNews, ele mesmo confessou que é um
fantasma.
Repórter: O senhor trabalha na
Suderj?
Abílio: Não.
Repórter: Eu queria saber por que o
senhor está aqui em Nova Iguaçu e não está na Suderj?
Abílio não responde e sai de perto.
Todo mês o salário cai na conta de
Abílio: R$ 5.200. Em um ano no cargo comissionado, o funcionário que admite não
trabalhar ganhou mais de R$ 60 mil.
“Os comissionados, os servidores
públicos que não são efetivos, têm as mesmas obrigações que os efetivos. Eles
respondem a um código de conduta que tem direito e obrigações. E, efetivamente,
assiduidade é uma delas. Ele é obrigado a ser assíduo. Inclusive, o servidor
que falta 30 dias continuamente responde a um processo de abandono de cargo
público”, diz Mauro Gomes de Mattos, especialista em Administração Pública.
Às 10h de uma quinta-feira, A
GloboNews encontrou Abílio, Jocinei e Alessandra em um escritório que funciona
em um centro esportivo particular, em Nova Iguaçu. Do lado de fora, uma placa
diz que o clube oferece natação e hidroginástica. Mas, lá dentro, nenhum deles
soube dar informações sobre as aulas.
Produtor: Aqui é a secretaria?
Alessandra: Secretaria?
Produtor: Para ver o negócio da
natação...
Abílio: Não. É com o seu Aloísio lá
no canto lá, tá? Lá no canto lá, na porta azul.
TRIO JÁ TEVE VÁRIOS CARGOS PÚBLICOS
LIGADOS À FAMÍLIA BORNIER
Essa não é a primeira vez que
Jocinei, Alessandra e Abílio têm um cargo público. Os três já fizeram parte do
quadro de funcionários da prefeitura de Nova Iguaçu, na última gestão de Nelson
Bornier, que terminou em 2016. Também já estiveram na folha de pagamento da
Câmara dos Deputados, em cargos comissionados do gabinete de Felipe Bornier.
Se todos têm experiência na
administração pública, deveriam saber que a transparência é regra básica. Mas,
no dia em que a GloboNews foi até o centro esportivo em Nova Iguaçu, Jocinei se
trancou no banheiro para tentar fugir de perguntas simples.
Repórter: Jocinei, o senhor quer se
manifestar? O senhor vai ser citado na reportagem. O senhor é funcionário da
Suderj, recebe salário e não trabalha. O senhor queria se manifestar sobre
isso?
Na sala usada pelos servidores do
estado, a reportagem encontrou exemplares do Diário Oficial de Nova Iguaçu,
documentos de partidos políticos e dezenas de fichas de filiação partidária do
MDB.
Repórter: Jocinei, o senhor quer se
manifestar?
Jocinei: Em relação a quê?
Repórter: O senhor é funcionário do
governo do estado, está na folha de pagamento do governo.
Repórter: Você recebe salário como
funcionário do governo do estado e não trabalha. Quer se manifestar sobre isso?
Ele não responde, tenta derrubar a
câmera e sai correndo...
RESPOSTAS
A GloboNews pediu uma entrevista com
o secretário de Esportes, Felipe Bornier, e com o presidente da Suderj, Marcelo
Salgado, mas a resposta veio em forma de nota.
A Secretaria de Esportes informou que
os funcionários da Suderj citados na reportagem atuam realizando trabalhos
externos de acompanhamento de núcleos esportivos existentes em regiões do
estado. Mas a GloboNews apurou que a Suderj não é a responsável por nenhum
desses núcleos. A Secretaria de Esportes, então, enviou uma segunda nota, cinco
dias depois, para a nossa produção. Disse que um processo de ampliação dos
núcleos esportivos está em andamento e que está fazendo um estudo de
viabilidade técnica para que a Suderj volte a administrar esses espaços.
A nota diz que Jocinei Santos, Abílio
Henriques Quintal e Alessandra Cathoud poderão se tornar membros da comissão de
fiscalização desses núcleos esportivos. De acordo com a Secretaria de Esportes
do estado do Rio de Janeiro, quando foram abordados pela GloboNews, esses três
funcionários estavam numa sala cedida, em Nova Iguaçu, para acompanhar um
projeto social que existe no imóvel vizinho. Mas pedimos um contrato de cessão
do espaço e esse contrato não foi enviado.
A Secretaria de Esportes do estado do
Rio informou ainda que esses servidores têm suas folhas de ponto assinadas, com
carga horária de 40 horas semanais, e exercem funções em horários de expediente
adaptáveis. Mas a Secretaria de Esportes do Rio não enviou as folhas de ponto
solicitadas pela GloboNews nem nenhum documento para comprovar o trabalho dos
funcionários.
Sobre as fichas de filiação
partidária encontradas pela equipe da GloboNews, o MDB informou que nenhum
desses servidores têm qualquer relação com o MDB, nem, inclusive, o secretário
Felipe Bornier. A nota do MDB diz ainda que o pai dele, Nelson Bornier, foi
presidente do MDB de Nova Iguaçu até o ano passado. Ele se desfiliou do partido
no início de 2018 e disputou as últimas eleições pelo PROS. E diz ainda que as
fichas devem ter sobrado dessa época, já que ele não representa mais a legenda.
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