(Foto: Paulo Sérgio Pinheiro)
O Rio Paraíba do Sul agoniza e não é de hoje. Mas,
recentemente, uma alteração que reflete bem os problemas enfrentados pelo rio
ao longo das últimas décadas chamou a atenção de quem acompanha de perto o
correr das águas barrentas do principal manancial da região. Desde outubro de
2019, a foz da Paraíba não é mais em Atafona, no município de São João da
Barra. Agora, o ponto de encontro entre o Paraíba e o Oceano Atlântico é a
praia de Gargaú, na cidade de São Francisco de Itabapoana. A mudança também
alterou a paisagem regional, já que a Ilha da Convivência, em Atafona, deixou
de ser uma ilha. As causas apontadas pelos especialistas ouvidos pelo Jornal
Terceira Via são várias, mas em um ponto eles concordam: tem a mão do homem
nisso.
Trinta de outubro de 2019. Esta é a data da migração da foz
apontada pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Baixo Paraíba do Sul e
Itabapoana. O Comitê é um órgão colegiado responsável por promover a gestão
descentralizada e participativa dos recursos hídricos na região e, por isso,
monitora diariamente o trecho do Paraíba que vai da Barragem de Santa Cecília,
em Barra do Piraí, até Atafona. Esse monitoramento também inclui os afluentes
do rio.
Para o diretor-presidente do Comitê, João Siqueira, essa
mudança é resultado da ação do homem, agravada pela maior crise hídrica
enfrentada pela Bacia do Paraíba, que, segundo o órgão, aconteceu entre 2014 e
2019. Siqueira pontua que este foi o pior período de seca do rio, que teve seu
ápice justamente em outubro do ano passado.
“Acredito que essa mudança na foz aconteceria um dia, mas as
intervenções humanas sofridas pelo rio, como transposição e construção de
barragens, sem dúvida acelerou o processo. Isso é um sinal claro de que o
Paraíba está sofrendo. A retirada de água foi aumentando ao longo dos anos de
tal modo que, atualmente, apenas um terço do rio chega à foz. Os outros dois
terços ficaram pelo caminho”, analisou.
O ambientalista e historiador Aristides Soffiati lembra que
há registros do século XVIII relatando dificuldade que embarcações da época
tinham em sair do mar e entrar no Paraíba pela foz, e vice-versa, por conta da
pouca profundidade no local. Ou seja, o problema sempre existiu e foi piorando
gradativamente até o fechamento da foz. Além da retirada excessiva de água
apontada por Siqueira, Soffiati elenca outras ações do homem que acabaram
influenciando na mudança a foz: o desmatamento, que provocou o assoreamento do
rio; e o aquecimento global, que tem causado mudanças climáticas.
Com a baixa vazão do rio e o avanço do mar, Paraíba se
desloca para o município de SFI, e deságua em Gargaú. (Foto: Marco Antônio
Ribeiro)
“É uma série de fatores que, juntos, causaram essa situação.
Não temos mais florestas na região e esse desmatamento desenfreado impactou,
por exemplo, na alteração do regime hídrico. Sem falar que o derretimento das
geleiras tem elevado o nível dos oceanos. Então, temos um rio cada vez mais
enfraquecido pela ação do homem e um oceano cada vez mais fortalecido também
pela ação do homem”, esclareceu Soffiati.
Na avaliação de João Siqueira, um período prolongado de muita
chuva pode reabrir a foz. Já para Aristides Soffiati, há uma tendência de piora
na situação do Paraíba. Por isso, mesmo que a foz retorne para Atafona,
possivelmente será fechada novamente em períodos de crise do rio.
Enfraquecido
Por conta da quantidade de barragens e por causa da
transposição, a vazão do Rio Paraíba que chega à foz é a mínima, de 250m³ por
segundo. Mas já chegou a níveis ainda mais baixos (180m³ em outubro do ano
passado). De acordo com o Comitê, o ideal seria uma vazão de 500m³ a 800m³ por
segundo. O presidente do Comitê lembra que essa baixa vazão já tem prejudicado
a captação de água de São João da Barra e São Fidelis.
“Em São João da Barra a questão é mais grave, já que a
captação de água precisa ser interrompida duas vezes por dia por causa da
intrusão salina, que é a entrada da água do mar no rio. Ele chega com uma vazão
muito baixa até a cidade e nos períodos de maré cheia a água fica muito
salina”, informou João Siqueira.
Rio e mar que não estão para peixe
Segundo o presidente da Colônia de Pescadores Z-2 de Atafona,
Elialdo Bastos Meireles, o fechamento da foz do Rio Paraíba deixou a categoria
ainda mais dependente das marés cheias, já que este é o período em que os
barcos conseguem sair para o alto mar. Atualmente, a colônia conta com 530
pescadores cadastrados.
“Os pescadores têm reclamado muito da nova situação, mas não
tem nada que a gente possa fazer, pois não há como ir contra a vontade da
natureza. Antes, os barcos conseguiam sair para o mar a qualquer hora. Agora
isso mudou, é preciso esperar a maré cheia. O problema é ainda maior para os
barcos de grande porte. Alguns têm atracado em outras cidades para descarregar,
como Cabo Frio e Macaé, o que tem impactado a nossa economia de forma
negativa”, explicou o presidente da Colônia Z-2.
João de Siqueira, presidente do Comitê do Baixo Paraíba.
(Foto: Silvana Rust)
Consequências
O fechamento da barra principal do rio Paraíba do Sul tem
consequências para a sua própria sobrevivência e das populações a que atende,
na região do Baixo Paraíba do Sul.
Os efeitos levantados pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do
Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana são muitos: o aumento de salinidade na
Baixada Campista, que é alimentada pelo rio; a redução do lençol freático de toda
ela; a redução do potencial agrícola de toda a região pela menor capacidade de
produção de alimentos; prejuízos devido à redução da capacidade de garantir
água para matar a sede de animais; a elevação da salinidade do lençol freático;
aumento da concentração de diversos sais pela alta evaporação com a menor
renovação das águas nos canais e lagoas; além da eutrofização acentuada de toda
a rede de canais da baixada, que também é alimentada pelo Paraíba.
Eutrofização é o termo técnico que define o crescimento
excessivo de plantas aquáticas, para níveis que afetem a utilização normal da
água.
Rio que mata a sede de tanta gente
E tem sido grande o esforço do Paraíba para dar conta de
matar a sede de tanta gente, conforme destaca o diretor-presidente do Comitê de
Bacia Hidrográfica do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana. Segundo dados Comitê,
são 184 municípios que utilizam a água do Paraíba, o que representa 14 milhões
de pessoas em três estados (Rio, São Paulo e Minas), sendo 9 milhões apenas na
Região Metropolitana do Rio. “Das bacias hidrográficas de nosso país, nenhuma
sofre tanta pressão populacional quanto a do Paraíba do Sul”, pontuou João
Siqueira.
O Paraíba do Sul resulta da confluência dos rios Paraibuna e
Paraitinga, que nascem no estado de São Paulo. No leito do rio, que tem 1.137
km de extensão, estão localizados importantes reservatórios de usinas
hidrelétricas, como Paraibuna, Santa Branca e Funil.
Testemunhas da agonia do Paraíba
Amilton Rosa e Cláudio Souza são amigos que costumam pescar
nos fins de semana no Pontal de Atafona. Eles viram durante anos as alterações
nas margens e no curso do Rio Paraíba do Sul, no local onde havia o encontro
com o mar. Atualmente, o rio se transformou em filetes de água e em uma lagoa.
A paisagem do delta histórico perdeu uma das saídas do Paraíba para o
Atlântico. A Ilha da Convivência encolheu nas últimas décadas e agora não é
mais ilha. É possível chegar a pé caminhando pela praia, já que parte da foz
deixou de existir.
“Disseram que foi represamento da água do Paraíba lá em São
Paulo que provocou esse desvio do Rio. Com o avanço do mar, ele perdeu muita
força. A água do rio está salinizada lá pelos lados de Barcelos. É triste ver o
Paraíba morrendo. A gente quase não encontra peixe. Sem falar na poluição. Muita
gente se aventura a tomar banho aqui, mas não sei se deveria”, especula
Amilton.
Apesar de não ter conhecimento técnico sobre o que está
acontecendo no Rio Paraíba, Cláudio avalia a situação de seu ponto de vista.
“Sobrou apenas a saída para barcos e para o Rio do lado de Gargaú. Mesmo assim,
muito raso. Há perigo de barcos encalharem como estava acontecendo aqui no
Pontal de Atafona, antes da foz secar”, comenta.
Histórias da Ilha da Convivência
A paisagem mudou. Com o fechamento da foz, a Ilha da
Convivência deixou de existir, mas as histórias do local permanecem. Um dos
relatos mais famosos diz respeito à maneira como os casamentos eram realizados
na Ilha da Convivência. Como o lugar não possuía cartório ou igreja, diz-se por
lá que os casamentos eram consumados com os noivos raptando as noivas.
O lugar também foi eternizado nas telas do cinema. Entre o
Pontal e a Ilha da Convivência foi filmado em 1978 o longa-metragem “Na Boca do
Mundo”, baseado no romance de mesmo nome escrito pelo cineasta Cacá Dieguez. A
produção, dirigida e estrelada por Antônio Pitanga, teve ainda no elenco nomes
de peso como Norma Bengell e Milton Gonçalves. A trilha sonora ficou por conta
de Caetano Veloso e Jorge Ben Jor. O cartaz é obra do chargista Ziraldo.
O filme conta a história de uma rica socialite que rompe com
o marido no Rio de Janeiro e decide voltar para a praia onde passou a infância,
Atafona. A curiosidade está registrada no livro “São João da Barra – do Porto
ao Pontal”, do jornalista Aloysio Balbi.
Resposta da ANA
Agência Nacional de Águas (ANA) é o órgão regulador criado em
2000 para fazer cumprir os objetivos e diretrizes da Lei das Águas do Brasil.
Isso significa que grandes intervenções no Rio Paraíba, como instalação de
barragens e transposição, são realizadas com autorização da ANA.
Em nota, o órgão informou que “de acordo com a Política
Nacional de Recursos Hídricos, a gestão dos recursos hídricos deve sempre
proporcionar o uso múltiplo das águas, ser descentralizada, participativa e
sempre contemplar a bacia hidrográfica de forma sistêmica. Nesse contexto, a
definição de condições de operação de reservatórios realizada pela ANA tem a
função precípua de garantir a continuidade no atendimento dos usos múltiplos
dos recursos hídricos, com foco na segurança hídrica da bacia hidrográfica.
Desde que justificadas, como, por exemplo, na ocorrência de eventos
hidrológicos críticos, tais condições de operação podem ser modificadas para
que não seja comprometido o atendimento aos usos múltiplos”.
FONTE:TERCEIRA VIA
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