A crise sanitária do coronavírus coloca cada vez mais em
dúvida sua capacidade de continuar à frente do cargo. Os próximos dias serão
cruciais.
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O isolamento do presidente Jair
Bolsonaro (sem partido) cresceu de forma exponencial nesta quarta-feira (25), e
a crise sanitária do coronavírus coloca cada vez mais em dúvida sua capacidade
de continuar à frente do cargo. Os próximos dias serão cruciais.
O artífice do movimento foi João Doria. O governador tucano
de São Paulo abriu um rombo no já combalido casco do navio governista,
descontrolado pelo vaivém sempre tendendo à radicalização de Bolsonaro na
condução da gestão da emergência.
O presidente tentou trazer Doria para seu campo ao topar a
série de reuniões com governadores via teleconferência, mas acabou mordendo a
isca do tucano. O paulista fez uma apresentação dura, mas cordial, durante o
encontro desta manhã com seus outros colegas do Sudeste.
Como o temperamento de Bolsonaro é previsível, o presidente
reagiu aos berros. Se havia críticas que usualmente colariam em Doria, como a
pecha de ter abandonado Bolsonaro uma vez que se aproveitou da onda
conservadora que levou os dois ao poder, elas se diluíram na forma.
A aposta radical do presidente, exposta claramente no
caudaloso pronunciamento sem aviso prévio da noite anterior, tem um erro
central de formulação: se é óbvio que a economia precisa ser preservada como o
sistema de saúde, Bolsonaro e seu estilo agressivo carimbaram nele o selo de
insensível.
Há aspectos bastante imponderáveis na evolução da epidemia,
como as diferenças entre diversos países demonstram. Mas, à falta de certezas
científicas ainda em discussão, apostar no caso mais brando de crise não é a
política mais sensata no momento. Citar "histórico de atleta", então,
é tão eficaz como sugerir mascar alho para matar o vírus.
Por outro lado, o debate acerca de quarentenas existe no
mundo todo, com o conceito de confinamento vertical no centro. Sem entrar no
mérito médico, é uma questão que pode, se bem comunicada, convencer parcela
expressiva da população irritada com as restrições e dar fôlego a Bolsonaro
fora de suas bolhas mais ideológicas.
Doria é presidenciável, isso não é segredo para ninguém.
Assim como Wilson Witzel (PSC-RJ) e, num delírio de parte da esquerda, Flávio
Dino (PCdoB-MA).Bolsonaro também é candidato à reeleição, como disse no começo
do mandato, e a aposta no terror econômico da crise, em detrimento de
recomendações internacionais acerca do vírus, parece ter mais a ver com o temor
de que uma recessão enterre suas chances.
O tucano já formatou todo um discurso das marcas negativas
que Bolsonaro criou exclusivamente para si nessa crise, como a lembrança dos
mortos paulistas na pandemia. Caso todos cheguem a disputar só em 2022 a
eleição, retóricas estão prontas de lado a lado.Isso dito, o trabalho de
diferenciação de estilos de liderança parece consolidado.
Doria venceu o duelo e viu sua ação recompensada com a
debandada sequencial de aliados de Bolsonaro, o mais vistoso deles Ronaldo
Caiado, governador goiano pelo DEM. O político é simbólico: comanda um dos
estados centrais do agronegócio, setor que foi fulcral para a eleição do
presidente.
A reunião de governadores marcada para a tarde desta quarta
será mais um ponto de inflexão na disputa. Do jeito que se desenha, o impasse
no país na prática só se resolve com a renúncia de Bolsonaro, dado que não
parece haver condições políticas para a abertura de um processo de impeachment.
É isso que o movimento dos governadores indica, turbinado pela nota de repúdio
ao presidente feita pela frente nacional dos prefeitos.
Bolsonaro, desde que foi para os braços do povo que pedia o
fechamento do Congresso e do Supremo, perdeu a interlocução civilizada com os
outros Poderes. Com a crise do coronavírus apavorando populações, caberá a quem
está na ponta manter as rédeas da governabilidade.
Uma outra sinalização importante foi dada pelos militares,
tão associados ao capitão reformado do Exército ora no Planalto. A ativa riscou
uma linha no solo com o a mensagem sóbria do comandante do Exército, Edson
Pujol, vendo a crise como "talvez a maior missão de nossa geração".Já
os fardados no governo estão atônitos, segundo relatos disponíveis, com o
fracasso na sua tentativa de enquadrar o presidente.
As táticas adotadas por Bolsonaro são claramente de escalada
de confronto, amparado em sua base digital e na porcentagem da população que o
apoia –talvez um terço do eleitorado, mas isso parece fluido à medida que
aumenta o volume dos panelaços.
A alienação dos estados tem esse preço político, mas
Bolsonaro conta com um ativo: o Ministério da Saúde. Não há como combater a
crise do coronavírus sem coordenação nacionalizada, e estados mais dependentes
de repasses federais têm menos espaço de manobra do que São Paulo, por
exemplo.A própria posição de Witzel, que se disse otimista após a caótica
reunião da manhã, sugere isso. O Rio está quebrado, e precisa de ajuda federal
para evitar uma tragédia em seu sistema de saúde. De quebra, se Bolsonaro sair
melhor do embate, ele não terá se desgastado tanto quanto Doria.
No limite, há o risco de ser necessário decretar intervenções
estaduais num pico de crise. Se isso ocorrer em série, o próprio conceito de
federação se esvai. A disputa sobre respiradores, levantada por Doria no duelo
da manhã, é um exemplo inicial desse problema. Essa é a queda de braço que está
ocorrendo neste exato momento, com repercussões sérias sobre a estabilidade
política do país.
Virão mais anúncios de pacotes para a economia e,
provavelmente, para o bem-estar da população.Mas ao emular o comportamento de
seu ídolo, Donald Trump, Jair Bolsonaro esqueceu que não tem os trilhões de
dólares à disposição do americano para socorros financeiros.O imbróglio
político é o mais sério, e na realidade muito mais grave por envolver vida
humanas, desde a crise que levou ao impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.
FONTE:NOTICIAS AO MINUTO
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