A baixa se dá durante a chefia do procurador-geral da República, Augusto Aras, e no momento em que o Congresso discute o afrouxamento da Lei de Improbidade
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou em 2020 o menor
número de ações por improbidade administrativa em sete anos. Ao todo, foram 789
processos para investigar práticas que trouxeram prejuízos à administração
pública - uma queda de 31,8% em relação a 2019. A baixa se dá durante a chefia
do procurador-geral da República, Augusto Aras, e no momento em que o Congresso
discute o afrouxamento da Lei de Improbidade.
Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmaram que a pandemia
prejudicou o andamento das investigações no ano passado, mas outros fatores
contribuíram com a tendência de queda, como o aumento da celebração de acordos.
Do ponto de vista legal, a improbidade administrativa é entendida como toda
conduta inadequada praticada por um agente público ou por pessoas ligadas a
ele. O enriquecimento ilícito e a lesão ao patrimônio público por ação ou
omissão são alguns dos exemplos enquadrados na lei.
Na pandemia do coronavírus não faltam exemplos de casos de
improbidade administrativa. Além dos servidores que furaram a fila da
vacinação, houve superfaturamento na compra de respiradores e até a omissão do
poder público. "No ano passado, houve um prejuízo acima da média de outros
processos, pois esse tipo de ação necessita de uma série de atos investigativos
que são presenciais", afirmou José Robalinho Cavalcanti, procurador
regional da República e ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores
da República.
Para ele, a tendência de queda observada desde 2018 é fruto
de um "amadurecimento" das forças-tarefa. "Os núcleos de combate
à corrupção fizeram crescer o número de processos em um primeiro momento, mas
chegou a uma estabilidade. Agora, há menos ações entrando e as que têm estão
sendo enfrentadas e em processo de amadurecimento."
O coordenador adjunto da Comissão de Assessoramento
Permanente em Leniência e Colaboração Premiada da 5.ª Câmara de Coordenação e
Revisão do MPF, José Roberto Pimenta, afirmou que a redução no ano passado pode
ter sido influenciada pela falta de regulação dos acordos de não persecução
civil previstos no pacote anticrime. Esses acordos propõem uma solução
consensual às demandas por atos de improbidade - em vez de uma ação, há uma
negociação.
"A regulamentação só veio em novembro de 2020. Até esse
momento, acredito que os procuradores preferiram aguardar uma definição antes de
ajuizar ações ou propor acordos." Segundo ele, uma situação parecida
ocorreu em 2014, com a demora na regulamentação da Lei Anticorrupção.
"Ficou uma zona de intensa incerteza sobre a aplicação da lei, se seria
compatível ou não com a Lei de Improbidade. Sem esquecer a ausência de
regulamento sobre o compliance", disse Pimenta.
Procurador de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto
Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu citou a celebração de acordos como um dos
fatores para explicar a queda no número de ações ajuizadas pelo MPF.
"Depois de 2013, começa a se sedimentar na nossa cultura jurídica um
direito cada vez mais forte no campo consensual. Os acordos de não persecução
civil são um fenômeno novo, mas estão sendo introduzidos no dia a dia do trabalho
do Ministério Público. E os acordos de leniência também têm se tornado uma
realidade cotidiana."
Respaldo
Outra justificativa mencionada por Livianu é o fato de muitos
procuradores relatarem não haver mais o mesmo nível de "respaldo"
para tocar ações de improbidade desde a gestão de Raquel Dodge. "Na atual
gestão (de Augusto Aras), a tendência é que esse número piore muito, pois não
há uma postura de independência.
Quando o procurador-geral da República declara publicamente
que os desvios da cúpula do poder são assuntos do Legislativo, qual sinalização
ele está dando aos membros do MP?"
As ações são ajuizadas pelos Ministérios Públicos Federais
nos Estados, já que a Procuradoria-Geral da República não ajuíza ação por
improbidade.
A Lei de Abuso de Autoridade, que entrou em vigor em janeiro
do ano passado, também explica o cenário, disse Livianu: "É uma lei
afrontosa à Constituição e que compromete a independência judicial. A
insegurança jurídica de alguns dispositivos contidos na lei pode ter
contribuído para a menor propositura de ações".
Projeto
Em tramitação no Congresso, o projeto de lei do deputado
Roberto Lucena (Podemos-SP) quer limitar ao Ministério Público o direito de
entrar com ações de improbidade. Hoje, qualquer ente público lesado tem esse
direito. A Advocacia-Geral da União é um deles e, só no ano passado, ajuizou 52
ações, com valor de ressarcimento postulado de R$ 2,2 bilhões.
Fabrizio Pieroni, presidente da Associação dos Procuradores
do Estado de São Paulo (Apesp), considera a mudança um retrocesso no combate à
corrupção. "O MP é um órgão externo da administração pública. Já a
advocacia pública está dentro dela, conhece seus meandros e tem autonomia para
atuar. Tirar a nossa legitimidade de interpor ação é enfraquecer o combate à
corrupção, já que você tira de jogo aquele que está mais próximo dela."
Para Welington Arruda, especialista em Gestão Pública e
Governamental pela Escola Paulista de Direito, a exclusividade ao MP enfraquece
órgãos que têm papel fundamental no combate à corrupção, como as Procuradorias
e os órgãos correcionais.
Procurada, a PGR afirmou que a explicação sobre a redução de
ações de improbidade cabe aos procuradores da República nos Estados. Lucena não
respondeu à reportagem.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário