Uma carta aberta assinada por mais de 30 cientistas,
pesquisadores e economistas defende a adoção de um conjunto de medidas com
recomendações para conter o avanço da Covid-19 no Brasil.
O texto foi divulgado nesta quinta-feira (1º) e foi
endereçado ao presidente Jair Bolsonaro, aos governadores e aos prefeitos. Os
especialistas afirmam que três semanas de lockdown em abril poderiam:
– Poupar 22 mil vidas
– Reduzir a média móvel de mortos pela metade
– Evitar a marca de 5 mil mortos em um único dia
– Proporcionar tempo para a vacinação de quase todos os
idosos acima de 60 anos
– Dificultar o surgimento de novas variantes
Para neutralizar perdas econômicas, o documento propõe a
concessão de parcela única de auxílio emergencial para indivíduos e micro e
pequenas empresas e mostra o caminho para tornar isso possível.
A proposta é fundamentada em estudos desenvolvidos pela
Impulso Gov, organização brasileira de saúde pública, que apontam que o avanço
da vacinação no país terá impactos positivos a partir do mês de maio. A carta é
ainda parte da campanha #abrilpelavida, que coleta assinaturas de apoio ao
movimento.
Veja abaixo a íntegra do texto:
“Carta Aberta ao Presidente da República, Governadores e
Prefeitos Brasileiros
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Excelentíssimos(as) Senhores e Senhoras Governadores(as),
Excelentíssimos(as) Senhores e Senhoras Prefeitos(as),
Nós, organizações, pesquisadores e especialistas de Saúde
Pública, Economia e Políticas Públicas, nos unimos, hoje, para recomendar a
Vossas Excelências a adoção de medidas baseadas em evidências e estudos
científicos que tem como objetivo reverter o cenário de calamidade que hoje acomete
o país.
O referido conjunto de medidas, intitulado “Abril pela Vida”,
postula a adoção imediata de 3 semanas de lockdown, que seriam responsáveis por
salvar pelo menos 22 mil vidas, acompanhado de auxílio emergencial que seria
capaz de neutralizar os efeitos econômicos negativos do lockdown.
1. Contexto
A pandemia de COVID-19 tem sido responsável por retirar,
diariamente, a vida de milhares de brasileiros. Na última semana, atingimos a
marca de 300,000 mortos. Além disso, a pandemia tem sido responsável por
sobrecarregar o sistema de saúde, hoje incapaz de atender toda a demanda de
pacientes com COVID-19, bem como de tratar outras patologias.
A pandemia tem sido responsável por dilapidar, igualmente,
nossa já fragilizada economia, haja vista a longa duração da crise e a
desconfiança econômica dela proveniente por parte de consumidores e
investidores.
Estudos desenvolvidos pela Impulso Gov, organização
brasileira de saúde pública, suprapartidária e sem fins lucrativos, apontam que
o avanço da vacinação no país terá impactos positivos a partir do mês de maio,
podendo reduzir à metade a média móvel de óbitos no país e aliviar a pressão
sobre o sistema de saúde2. Tal cenário se justifica pelas seguintes evidências:
– Todas as vacinas testadas até agora mostraram alto
potencial para prevenir hospitalização e morte.
– Mais de 70% dos óbitos registrados no Brasil até aqui foram
de pessoas acima de 60 anos.
– O atual ritmo de produção nacional indica que teremos doses
para vacinar quase todos os idosos (+60 anos) até o final de abril.
Todavia, para que esse cenário se torne realidade, é preciso
reduzir a circulação do vírus de forma significativa e imediata. Caso
contrário, podemos atingir a marca de 5 mil mortes diárias, conforme previsões
de pesquisadores da Fiocruz; e podemos não ter leitos disponíveis, nem para
pacientes com Covid-19 nem para aqueles com outras patologias, nas próximas
semanas – cenário que infelizmente já é realidade em parte do país.
Nesse sentido, é fundamental que medidas de lockdown sejam
adotadas, de forma coordenada pela União, Estados e Municípios brasileiros,
pelas próximas 3 semanas com vistas a reduzir a circulação de pessoas e, assim,
salvar vidas.
Estudos internacionais comprovam a eficácia da medida em 41
países, com efeito especialmente forte da redução de quaisquer aglomerações de
mais de 10 pessoas; e recentemente observou-se a eficácia da medida também no
Brasil. Após um mês de medidas restritivas, incluindo 10 dias de lockdown
rígido como poucas vezes se viu no país, a cidade de Araraquara (SP) registrou,
em 26 de março, o primeiro dia sem nenhuma morte causada por COVID-19, além de
redução significativa no número de casos e da positividade dos testes.
2. Propostas
Apresentamos abaixo duas medidas emergenciais, parte da
estratégia “Abril pela Vida”, com vistas a reverter o cenário atual de
calamidade no país e salvar vidas.
Cientes de que as medidas de lockdown podem expor indivíduos
em situação de vulnerabilidade ao risco econômico e reduzir a sua adesão às
medidas, propomos soluções econômicas emergenciais que podem ser adotadas pelos
três níveis de governo, com vistas a reduzir os impactos negativos que a menor
circulação de pessoas pode ter sobre populações vulneráveis e, igualmente,
sobre as economias locais.
a. Lockdown rígido em abril
– Proibição de eventos presenciais como shows, congressos,
atividades religiosas, esportivas e correlatas, bem como quaisquer aglomerações
de indivíduos que não residem juntos.
– Toque de recolher das 20h às 6h.
– Fechamento de bares, restaurantes e praias.
– Medidas de redução da superlotação nos transportes
coletivos urbanos; transportes de trabalhadores dos serviços essenciais devem
ser organizados pelas empresas, inclusive supermercados, farmácias e postos de
gasolina.
– Suspensão do funcionamento dos seguintes estabelecimentos:
comércio atacadista, lojas de material de construção civil, casas de peças e
oficinas de reparação de veículos automotores, comercialização de produtos e
serviços de cuidados animais (permitido o funcionamento de clínicas médicas
veterinárias e comercialização de alimentos), agências bancárias (permitindo o
atendimento presencial para recebimento de benefícios) e instituições
financeiras de fomento econômico, casas lotéricas; e atividade de pesca de
lazer no mar (permitida a pesca comercial).
– Adoção de trabalho remoto sempre que possível.
– Instituição de barreiras sanitárias nacionais e
internacionais, inclusive considerando fechamento de aeroportos e transporte
interestadual.
– Os hotéis e pousadas com capacidade de ocupação limitada a
30% dos quartos.
Ampliação de testagem e acompanhamento dos testados, com
isolamento de casos suspeitos e monitoramento dos contatos.
b. Auxílio emergencial de parcela única
– Concessão de parcela única de auxílio emergencial, para
indivíduos e micro e pequenas empresas.
– O valor do benefício seria: – Para indivíduos, equivalente
ao valor médio de uma cesta básica em cada estado. – Para micro e pequenas
empresas, no valor de mil reais.
– Critérios de elegibilidade: ̵ Indivíduos: maiores de idade,
desempregados ou informais, que não recebem aposentadoria, Benefício de
Prestação Continuada, Seguro Desemprego ou qualquer outro programa social
(exceto Bolsa Família) e tem rendimento domiciliar per capita abaixo de meio
salário mínimo. – Micro e pequenas empresas: para setores mais afetados pela
pandemia (Alojamento, Alimentação e Atividades Artísticas, Criativas e de
Espetáculos) para empresas do Simples Nacional e MEIs.
– Estima-se que, considerando todos os estados brasileiros,
seriam 67 milhões de indivíduos elegíveis e 3,3 milhões de estabelecimentos
beneficiados; os números exatos por estado estão disponíveis sob demanda.
– Seriam necessários cerca de R$ 36 bilhões para financiar o
auxílio para indivíduos e R$ 3,3 bilhões para as pequenas e micro empresas. Este
programa, que, além de permitir a adoção das medidas restritivas, teria o
efeito de neutralizar as perdas geradas pelo lockdown; números por estado estão
disponíveis sob demanda.
3. Resultados esperados
A adoção da estratégia “Abril pela Vida” permitirá aos
Governos e Municípios observar os seguintes resultados:
1. Reduzir a média móvel de mortos pela metade, o que pode
significar pelo menos 22 mil vidas salvas;
2. Dispor de leitos para tratamento de COVID-19 e de outras
patologias;
3. Reduzir a probabilidade de surgimento de novas variantes,
capazes de superar a imunidade gerada pelas vacinas já desenvolvidas, com
consequências globais desastrosas;
4. Neutralização de perdas econômicas, em razão do auxílio
emergencial.
Sem a adoção das medidas supracitadas, teremos pelo menos 22
mil mortes adicionais, e podemos nos deparar com o surgimento de novas
variantes, além de acentuarmos a crise de saúde pública e falta de leitos de
UTI. A inação, além de causar impactos severos sobre o nosso sistema de saúde,
exigirá medidas restritivas por mais tempo, e trará impactos econômicos ainda
mais severos. A redução prolongada da atividade econômica por mais de quatro
meses poderá anular completamente as possibilidades de crescimento econômico
previstas para 2021.
À luz do exposto, e haja vista a competência dos Governos
Federal, Estadual e Municipal para adotarem medidas eficazes no combate à
pandemia, recomendamos aos Municípios, Estados e à União que adotem as medidas
supracitadas, em esforço coletivo e coordenado para reverter o avanço da
pandemia de COVID-19 no Brasil, salvando milhares de vidas e socorrendo a
economia brasileira.
Caso se faça necessário, estamos à disposição para esclarecer
eventuais questionamentos de Vossas Excelências, compartilhar estudos técnicos
e simulações que embasaram as propostas aqui presentes e apresentar
possibilidades de financiamento do auxílio, além de apoiar, individualmente, os
Estados e Municípios na adequação e implementação imediata das medidas
propostas ao contexto local.
Respeitosamente,
Adriano Massuda, Médico Sanitarista, Professor e Pesquisador
da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV) e
da Universidade Federal do Paraná
Ana Luiza Bierrenbach, Professora da Pós-Graduação do
Instituto de Ensino e Pesquisa do hospital Sírio-Libanês e da Universidade
Federal de Goiás
Ana Maria Malik, Professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV),
coordenadora do GVSaúde e membro do conselho da Associação Latina Para Análise
dos Sistemas de Saúde (ALASS)
André Lara Resende, Ex-diretor do Banco Central do Brasil
(BACEN) e Ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES)
Andre Portela Souza, Professor de Economia da EESP-FGV
Fátima Marinho, Professora da Pos-Graduação em Saúde Pública
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Gabriela Spanghero Lotta, Professora e Pesquisadora de
Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Guilherme Werneck, Pesquisador e Professor do Instituto de
Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ) e
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Hannah Arcuschin Machado, Gerente de Projetos da Vital
Strategies
João Moraes Abreu, Diretor Executivo da Impulso Gov
Ligia Bahia, Professora Associada da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ)
Luciano Coutinho, Professor titular no Instituto de Economia
da UNICAMP e Ex-Presidente do BNDES
Luis Eugenio de Souza, Professor do Instituto de Saúde
Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Vice-presidente da Federação
Mundial de Associações de Saúde Pública (WFPHA)
Luiz Carlos Bresser-Pereira, Professor Emérito da Fundação
Getúlio Vargas
Luiz Gonzaga Belluzzo, Professor Titular do Instituto de
Economia da Unicamp (Aposentado)
Luiza Dickie
Amorim, Consultora da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health
Manoel Pires, Pesquisador do IBRE/FGV e da UnB. Ex-secretário
de Política Econômica do Ministério da Fazenda
Marcelo Medeiros, Professor da Universidade de Brasília (UnB)
e Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
Márcia Castro, Doutora em Demografia e Professora Associada
da Harvard School of Public Health
Marco Brancher, Coordenador de Dados da Impulso Gov e
Pesquisador da FGV
Maria Amelia de Sousa Mascena Veras, Professora Adjunta do
Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa
de São Paulo
Monica de Bolle, Professora da Johns Hopkins University
Nelson Gouveia, Professor do Departamento de Medicina
Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)
Nelson Marconi, Professor da Escola de Administração de
Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV)
Naomar de Almeida Filho, Professor de Epidemiologia e
ex-reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Paulo José da Silva e Silva, Professor de Matemática Aplicada
da Universidade Estadual de Campinas e Pesquisador do Centro de Ciências
Matemáticas Aplicadas à Indústria.
Paulo Schor, Médico, Professor e Diretor de Inovação da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Paulo Saldiva, Professor Titular de Patologia da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP)
Pedro do Carmo Baumgratz de Paula, Professor da FGV Direito
SP (FGVLaw) e Diretor-Executivo da Vital Strategies Brasil
Pedro Hallal, Epidemiologista, Professor da Escola Superior
de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do
Epicovid-19
Rubens Belfort Jr., Presidente da Academia Nacional de
Medicina
Rubens Ricupero, Ex-Ministro do Meio Ambiente, da Amazônia e
Ex-Ministro da Fazenda.
Soraya Smaili, Reitora da Universidade Federal de São Paulo
Vanessa Elias de Oliveira, Professora de Políticas Públicas
da Universidade Federal do ABC (UFABC)”
Texto G1
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