Pesquisa Nacional da Saúde, publicada na última sexta (7), mostra que 7,5 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de violência sexual na vida
Pelo menos 8,9% das mulheres brasileiras já sofreram algum
tipo de violência sexual na vida, segundo dados da Pesquisa Nacional da Saúde
(PNS), divulgada na última sexta-feira (7) pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde. As
entrevistas foram feitas em 2019 por meio de visitas a mais de 100 mil domicílios
selecionados por amostragem em todo o país.
Como a pesquisa questionou se a pessoa sofreu violência
sexual alguma vez na vida, e não apenas no período imediatamente anterior à
entrevista, foram contabilizadas histórias como a da gerente de operações
Juliana*, de 30 anos, que foi vítima de uma agressão sexual na área comum do
prédio onde morava quando tinha 14 anos.
“Esses três meninos vieram na minha direção, e um deles puxou
meu braço para trás, o outro amarrou um moletom nos meus olhos, e outro sentou
no meu colo e começou a se mover. Os três passaram a mão no meu peito,
colocaram a mão por dentro da minha calcinha, me apalparam. E eu gritava e
chorava, mas ninguém veio na minha direção. Eu não sei quanto tempo durou, mas
para mim parece que durou uma eternidade”, conta.
Um dos trunfos da pesquisa, segundo especialistas em
violência contra a mulher ouvidas pelo G1, foi utilizar duas perguntas
distintas para identificar os diferentes casos de violência sexual. Isso faz
com que os dados obtidos incluam desde casos de estupro até situações como a
vivida por Juliana, que seria enquadrada no crime de importunação sexual.
Uma das perguntas do questionário é se a pessoa entrevistada “foi tocada, manipulada, beijada ou teve partes do corpo expostas contra a vontade”. Essa questão foi respondida positivamente por 79,7% das vítimas de violência sexual, sendo 76,1% das mulheres e 89,3% dos homens.
A segunda pergunta sobre o tema avalia se a pessoa “foi
ameaçada ou forçada a ter relações sexuais ou quaisquer atos sexuais, contra a
vontade”. Neste caso, 50,3% das vítimas disseram ter vivido a situação, sendo
57,1% das mulheres e 32,2% dos homens.
Com base nessas respostas, o estudo estima que 9,4 milhões de
pessoas de 18 anos ou mais de idade foram vítimas de algum episódio de
violência sexual em algum momento da vida.
O número corresponde a 5,9% da população, mas o percentual de
vítimas é muito maior entre as mulheres: 2,5% dos homens sofreram agressões
sexuais na vida, contra 8,9% das mulheres brasileiras. Só nos 12 meses que
antecederam as entrevistas, 1,2 milhão de pessoas foram vítimas de violência
sexual, dentre as quais 72,7% eram mulheres (885 mil).
A maior parte das agressões sexuais contra mulheres foi
perpetrada por companheiros, namorados, cônjuges ou ex-parceiros, citados em
53,3% das respostas. A violência sexual ocorreu, em 61,6% dos casos, na
residência das próprias vítimas.
Para Silvia Chakian, promotora de Justiça de Enfrentamento à
Violência Doméstica do Ministério Público de São Paulo, os dados comprovam que
a violência sexual é resultado de um cenário de desigualdade de gênero porque
ela afeta de maneira muito mais profunda a vida de meninas e mulheres.
“A violência sexual, além de ser uma das mais graves
violações de direitos humanos, é também a que mais escancara a desigualdade [de
gênero], porque as vítimas são meninas e mulheres, na sua imensa maioria”,
afirma Chakian.
“Estamos falando de uma violência de gênero, que é fruto de uma relação de poder e submissão que foi criada e reforçada historicamente pela sociedade. É essa relação de poder que acarreta tanto desequilíbrio, e que ainda induz a muita violência sexual”, completa.
Consequências da violência sexual
A pesquisa também mostrou que a violência sexual gera
consequências psicológicas: 60,2% das vítimas declarou que a agressão provocou
“medo, tristeza, desânimo, dificuldades para dormir, ansiedade, depressão ou
outras consequências psicológicas”.
Consequências físicas como hematomas, cortes, fraturas,
queimaduras ou outras lesões físicas ou ferimentos foram citadas por 19% das
vítimas.
Segundo a psicóloga Daniela Pedroso, que há 24 anos é
especialista no atendimento a vítimas de violência sexual, as consequências da
agressão podem ser imediatas, mas também podem perdurar por anos. Para Pedroso,
ao perguntar se a violência ocorreu alguma vez na vida do entrevistado, a
pesquisa do IBGE revela abusos que muitas vezes não são contabilizados.
A especialista afirma que é comum que, ao tratar as
consequências psicológicas de uma agressão, a mulher revele que foi vítima de
outros casos de violência sexual no passado.
“A gente entende a violência sexual como um fenômeno
transgeracional, ou seja, que atravessa diferentes períodos da vida de uma
mulher. É cada vez mais comum que, quando essa mulher vítima de uma agressão
chega para o atendimento, ela traga também o relato daquele abuso que ela
sofreu lá atrás na infância, que ela nunca contou pra ninguém, que nunca foi
tratado”, explica.
Anos antes do assédio que viveu aos 14, a gerente de operações Juliana* já havia sido vítima de outro episódio de violência sexual. Aos 12 anos, durante uma viagem no metrô em São Paulo, um homem se masturbou na sua frente e ejaculou sobre ela.
“Eu estava voltando do colégio de metrô, sentada, e um cara
parou na minha frente. Eu estava lendo um livro e, quando tirei o olho da
página, vi que ele estava se masturbando na minha frente. Eu era uma criança,
nem sabia o que estava acontecendo, e foi pavoroso. Eu não assimilei o que
tinha acontecido”, relembra.
A percepção da violência, para a psicóloga Daniela Pedroso, é
prejudicada pela falta de discussão sobre o que caracteriza abuso sexual.
“Às vezes as próprias vítimas não se reconhecem como tal,
porque a gente fala sobre violência sexual, mas não nomeia as coisas, e aí fica
essa percepção incorreta de que estupro é quando existe a penetração, de que só
isso é violência sexual”, afirma.
“Estamos falando de uma violência que pode deixar marcas
profundas que podem se manifestar a curto ou a longo prazo. Então é preciso
buscar ajuda e entender que a culpa nunca é da vítima”, avalia a promotora Silvia
Chakian.
“Não é exigido que haja penetração ou um toque mais invasivo:
todo esse comportamento que hoje chamamos de importunação sexual, tudo isso é
violência sexual. Então é importante que essa gama mais extensa seja abordada
nas pesquisas. Tudo isso é violência, tudo isso tem consequências, e tudo
precisa ser notificado”, completa.
Violência física e psicológica
Além de questões sobre violência sexual, a pesquisa do IBGE
também avaliou a incidência de violência física ou psicológica na população
brasileira. Os dados mostram que a violência atinge mais as mulheres, os jovens
e as pessoas pretas ou pardas.
De acordo com a pesquisa, nos 12 meses anteriores à entrevista, 19,4% das mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual, contra 17% entre os homens.
Entre jovens de 18 a 29 anos, o percentual chega a 27%,
enquanto é de 20,4% na faixa de 30 a 39 anos; 16,5% entre os adultos de 40 a 59
anos e 10,1% entre os de 60 anos ou mais. (leia mais abaixo)
Além disso, as pessoas pretas (20,6%) e pardas (19,3%)
sofreram mais com os diversos tipos de violência do que as pessoas brancas
(16,6%).
A população com menor renda também teve maior incidência de
casos, segundo a pesquisa. Apesar disso, não é possível relacionar a ocorrência
da violência somente à renda, porque outros fatores, como o racismo e o
machismo, também afetam os números, segundo os pesquisadores.
“Há uma incidência maior de violência entre pessoas com
domicílios com menor rendimento. Mas não podemos fazer uma correlação entre
pobreza e violência, pois há outras questões envolvidas como a cultural, o
machismo e o racismo”, disse a analista da pesquisa, Flavia Vinhaes, à Agência
IBGE.
Fonte: G1
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