Sem a
regulamentação, as atribuições e o perfil de quem desempenha essa tarefa estão
descritos apenas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)
Desde que se formou no ensino médio, Sheldon
Patrick dos Santos, de 28 anos, sempre trabalhou com vendas ou eventos. Há um
ano, insatisfeito com o tipo de trabalho que desempenhava e com a remuneração,
decidiu mudar o rumo da carreira. Matriculou-se em um curso de cuidador de
idosos e se apaixonou pela área. "Sempre gostei de trabalhar com idosos e
vi que essa profissão estava em alta", conta. A aposta deu certo. Santos
já saiu do curso empregado. Foi contratado por uma casa de repouso da zona sul
da capital paulista.
A história
do jovem vem se tornando cada vez mais comum no País. Com o envelhecimento da
população brasileira em ritmo acelerado, a ocupação de cuidador de idoso foi a
que mais cresceu no País na última década entre 2,6 mil profissões pesquisadas
pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
O balanço,
feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC),
com base em dados do ministério, mostra que o número de profissionais do tipo
passou de 5.263 em 2007 para 34.051 em 2017, alta de 547%.
"Mesmo
com o desempenho ruim da economia nos últimos anos, essa ocupação cresce porque
há cada vez mais idosos no País e porque é um serviço de saúde, os últimos a
serem cortados em cenário de crise. As famílias sacrificam outro tipo de
consumo, mas mantêm os cuidados com a saúde", explica Fabio Bentes,
economista-chefe do CNC. "Os dados do MTE não consideram trabalhadores
informais, somente os com registro em carteira ou estatutários. Mas deve ter
muita gente atuando nessa área na informalidade", opina o especialista.
Regulamentação
O
crescimento e a formalização desse mercado esbarram na falta de regulamentação
e na ainda escassa capacitação adequada dos profissionais. Como a ocupação
ainda não foi regulamentada como uma profissão, não há regras claras sobre a
formação mínima que deveria ser exigida nem qual seria o conteúdo obrigatório
dos cursos.
Um projeto
de lei tramita na Câmara para criar e regulamentar a profissão de cuidador não
só de idosos, mas de crianças e de pessoas com deficiência ou doença rara. Ele
aguarda designação do relator. Há também um projeto de lei do Senado para
determinar as atribuições de quem desempenha essa função.
Sem a
regulamentação, as atribuições e o perfil de quem desempenha essa tarefa estão
descritos apenas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). A orientação é
de que devem ser contratados maiores de idade, que fizeram cursos livres entre
80 e 160 horas e que demonstrem empatia e paciência. Entre as atribuições estão
ajudar nas atividades diárias, observar o comportamento e estimular a
independência.
"O
cuidador deve ficar atento à alimentação e ao risco de queda e tem de saber
lidar com situações da vida de um idoso, que pode estar confuso, ter
dificuldade para caminhar. Ele não deve infantilizar o idoso. Pode ajudá-lo a
se vestir, mas não assumir a função", diz Carlos André Uehara, presidente
da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
'Eu me sinto
mais sossegado'
Muito ativo
e com hábitos saudáveis durante toda a vida, o representante comercial
aposentado Joseph Cesar Sassoon, hoje com 93 anos, tentou manter, mesmo na
terceira idade, a autonomia e a independência dos anos em que era mais jovem.
Aos 90 anos, ainda dirigia, passeava pelas ruas do bairro onde mora e ia ao
clube.
Até que, há
três anos, o idoso sofreu uma queda em casa e, sem conseguir se levantar
sozinho, ficou horas naquela situação, até um familiar o encontrar. "Ele
ficou lá, caído, sem conseguir pedir ajuda. Levamos para o hospital, ele acabou
desenvolvendo uma pneumonia e ficou uma semana internado. Naquele momento vimos
que não podíamos mais deixá-lo sozinho", conta o engenheiro Cesar Sassoon,
de 62 anos, filho de Joseph.
Foi a partir
daí que o aposentado passou a contar com cuidadores 24 horas por dia. Eles o
auxiliam nas refeições, no banho, na hora de tomar remédios e nos passeios pelo
bairro. "Eu gosto muito de passear, gosto de caminhar no sol. Se eu não
tivesse alguém para ir comigo, eu não poderia caminhar sozinho e ficaria só
dentro de casa. Eu me sinto mais sossegado por eles estarem aqui", comenta
o aposentado.
A companhia
das caminhadas diárias é a cuidadora do período diurno, Luciana Silvia de Souza
Nery, de 35 anos, que trabalha na casa de Joseph há um ano. "Uma das
coisas mais importantes é tentar manter o idoso ativo, conversar bastante com
ele, entender os gostos e manias. Tem de saber ouvir", diz ela.
Para os
filhos de Joseph, que moram na região, mas que não podem ficar em período
integral com o pai por compromissos profissionais, a presença de um cuidador de
confiança na casa do pai traz tranquilidade. "Apesar de ele não ter
nenhuma doença séria e estar lúcido, ele tem limitações de locomoção e
deficiência auditiva. Então nós também ficamos mais sossegados de saber que tem
alguém dando esse apoio", diz Cesar.
Braço
direito
Mesmo
sentimento tem a professora Maria Luiza Camargo Fleury de Oliveira, de 59 anos,
que contratou cuidadoras para a mãe, Therezinha, de 88. "Elas são meu
braço direito. Sabem tudo da rotina da minha mãe, mandam mensagem para a
geriatra quando têm dúvidas, estão sempre em contato comigo e com os meus
irmãos. Se aparecer uma manchinha nova no corpo da minha mãe, elas vão
saber", conta Maria Luiza, que optou pelo serviço também por não ter
disponibilidade integral para os cuidados que a mãe necessitava.
"Minha
mãe perdeu a visão por causa do diabete e tem Alzheimer e Parkinson. Meu irmão
mora fora de São Paulo e eu e minha irmã trabalhamos o dia inteiro. Não daria
para deixá-la sozinha nessas condições", relata ela, que diz que é preciso
analisar com cuidado o perfil do profissional a ser contratado. "Já tivemos
outras cuidadoras que não deram certo. Uma delas maltratava a minha mãe. As que
estão conosco agora vieram por indicação de outras pessoas e já estão aqui há
quatro anos. Agora tenho tranquilidade e confiança."
Com
capacitação, maioria sai empregada
Com a
demanda crescente por cuidadores, tem aumentado também o número de pessoas que
buscam cursos na área. A Central Nacional Unimed começou a oferecer curso
gratuito de cuidador em 2014, com 22 vagas. Em 2018, o número de postos
oferecidos saltou para mais de 600 e, mesmo assim, a expansão não foi
suficiente.
"Foram
5 mil inscritos. Ofertar esse curso é necessário porque há muitas pessoas
trabalhando na área sem a capacitação adequada. Entre nossos participantes, 30%
já atuavam na área mesmo antes do curso", diz Alexandre Ruschi, presidente
da entidade. "No sistema Unimed, temos promovido mudanças na assistência
para oferecer mais ações de prevenção e promoção de saúde e a capacitação do
cuidador vai nessa linha." Segundo Ruschi, 70% dos alunos saem do curso
empregados
No Senac-SP,
a demanda também é grande. Desde 2009, 9 mil profissionais já se formaram. A
montagem da grade levou em consideração as orientações contidas na
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE). Embora o cuidador não possa realizar procedimentos invasivos,
como aplicar injeções, a parte de saúde também é incluída no curso.
"Precisa
dar conta das questões de saúde e emocionais e trabalhar para que o idoso seja
inserido no contexto social, com atividades que ele gosta. Tem de ajudar, mas
desenvolvendo a independência", diz a gerontóloga Karen Elise de Campos,
professora do Senac-SP.
Na Cruz
Vermelha de São Paulo, o número de formados quase quadruplicou nos últimos dez
anos, passando de 102 em 2008 para 401 neste ano. "A sensibilização é
importante para o cuidador entender por que o idoso age daquele forma. O curso
é pertinente para quem quer atuar na área e para a família", conta Márcio
José da Silva, especialista em gerontologia e coordenador do curso.
Na avaliação
de Karen, o perfil de interessados pela formação mudou. "Antes, eram
mulheres de meia idade, que estavam voltando para o mercado. Hoje, recebemos
pessoas com pós-graduação, assistentes sociais, estudantes de Enfermagem e de
Fisioterapia."
Dados do MTE
mostram que, de fato, os cuidadores hoje têm nível de escolaridade maior do que
há dez anos. Em 2007, 63,2% deles não tinham nem ensino médio completo. No ano
passado, esse índice caiu para 25,1%. As informações são do jornal O Estado de
S. Paulo.
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