Igrejas de Campos mobilizam campanhas e tentam eleger
representantes durante as eleições para o Conselho Tutelar, que acontecem neste
domingo (6), em todos os municípios brasileiros. Se de um lado a Constituição
Federal garante que o Brasil é oficialmente um estado laico, ou seja, que as
suas regras, leis e instituições públicas não podem ser estabelecidas com base
em determinada religião ou credo, líderes religiosos da cidade defendem a
liberdade de crença como fator determinante da formação de crianças e adolescentes
com base em princípios cristãos.
Para o bispo da Diocese de Campos, Dom Roberto Francisco
Ferrería Paz, a religião trabalha os valores cristãos, mas não as impõe. Ele
afirmou ainda que a igreja não se aproveita dos espaços públicos para impor a
sua crença e, sim, para lutar pelo bem comum, de todos os cidadãos.
— Nenhum cristão pode atrelar ao estado a sua igreja, isso
não é válido. Quando indicamos um candidato a trabalhar no Conselho Tutelar,
que é muito importante para a resolução pacífica dos conflitos familiares,
conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a pretensão não é
fazer voto de cabresto ou impor a nossa igreja como se fosse um projeto
político, mas sim trabalhar pelo reino de Cristo no mundo. A igreja sempre trabalha
pelo bem comum, portanto, não podemos tornar os cargos públicos como se fossem
privilégios de cristãos. A aliança da igreja com o poder sempre foi um
fracasso. A igreja é para servir a toda humanidade, é a igreja do lava pés,
serve as pessoas onde elas estão, porque nosso interesse é a salvação, não o
interesse político — disse o bispo.
Assim como os católicos, o presidente da Associação
Evangélica de Campos, pastor Renan Siqueira, disse que a igreja segue uma linha
cristocêntrica. O objetivo de indicar candidatos, segundo ele, não é lutar por
uma bandeira denominacional e, sim, por princípio e ética que são do “reino de
Deus”.
— A nossa proposta de apoiar os conselheiros que abraçam essa
fé é que os princípios de Cristo sejam voltados para o desenvolvimento completo
do ser humano, seja espiritual, emocional, cívico, familiar e profissional.
Portanto, esta defesa que a gente faz com relação aos nossos conselheiros, tem
como proposta, promover para as crianças e adolescentes um desenvolvimento
saudável no relacionamento com Deus e com o próximo, porque isso se resume a
vida do ser humano. Existe um provérbio que diz ‘ensina a criança no caminho em
que ela deve andar, e mesmo, e, ainda quando for velho, não se desviará dele’.
Se ensinarmos no caminho do amor, da verdade, no temor a Deus, teremos daqui a
alguns anos uma sociedade muito melhor e cheia de paz. O ser humano que vive em
teorias sem fundamentos ele na verdade está perdido, ele precisa ter as suas
bases firmadas principalmente em princípios e valores que norteiam o ser humano
como um todo, que são espirituais e cristãos”.
De acordo com a presidente da Comissão Especial Eleitoral do
Conselho Municipal de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente,
Fernanda Carneiro, a indicação de candidatos católicos ou evangélicos é
permitida desde que não haja coação de eleitores, conforme previsto no edital
do processo publicado no Diário Oficial do município e apresentado a todos os
candidatos habilitados, em reunião no último dia 9 de agosto, no auditório do
Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
— Entre as regras está a proibição para que o candidato tenha
vinculação político partidária. O pastor, padre, ou qualquer líder religioso,
como cidadão, pode indicar seus candidatos, desde que não seja em púlpito, com
intuito de coagir eleitores. Não tivemos denúncia de qualquer irregularidade
nesse sentido. Dependendo da gravidade da conduta, a pessoa vai sofrer desde
uma advertência a uma exclusão do processo”, finalizou.
Qualquer cidadão pode denunciar irregularidades, desde que
formalize reclamação com comprovações perante os administradores de pátio,
responsáveis pelos locais de votação, ou por meio do telefone 98175-0304, no
dia da eleição. O anonimato é garantido.
Advogada e sociólogo opinam sobre pleito
A advogada especializada na área de família e infância e
juventude, mestre em sociologia política pela Universidade Estadual do Norte
Fluminense (Uenf), Thais Moore, acredita que o processo eleitoral em que se
colocam as convicções religiosas não garante que alguém qualificado venha
assumir o cargo no Conselho Tutelar.
— A nossa Constituição, no art. 5, inciso 6º, vai falar sobre
a liberdade de expressão, vivemos em um país laico. Acho que o direcionamento
para lidar com a criança e o adolescente não deve ser a Bíblia e, sim, o ECA, a
Constituição Federal. A pessoa vai ser eleita por um quantitativo que pertence
a uma determinada religião e não porque ela terá melhor qualificação para
assumir o cargo. Será que ela tem conhecimento das legislações que protegem a
criança e o adolescente, dos tratados internacionais, da proteção integral?
Muitos colegas desistiram de passar pelo processo por conta da questão da
religiosidade — disse Thaís.
O sociólogo e professor da Uenf, Roberto Dutra, destacou que
ao longo dos anos há muita variedade de candidatos que são declaradamente
religiosos a assumir cargos públicos e essa realidade é possível encontrar nas
eleições do Conselho. “Com certeza nessas eleições tem candidatos muito mais
preocupados com questões morais, como, por exemplo, o que chamam de ideologia
de gênero, essa agenda de guerra cultural sobre comportamento e orientação
sexual, do que com questões reais que envolvem o Conselho Tutelar ligados à
violência e abandono. Por outro lado, há na base das igrejas uma vocação assistencial
muito forte e genuína para atuar nos Conselhos. É preciso conhecer esses
candidatos e suas propostas”, finalizou.
Mais de 100 candidatos no páreo em Campos dos Goytacazes
As eleições para conselheiros tutelares em Campos acontecem
neste domingo (6), das 8h às 17h. Estão aptos a votar os eleitores que
estiverem com a situação regular no TRE. O eleitor somente poderá votar no
local correspondente à sua zona e seção eleitoral, conforme os parâmetros do
TRE. Mais de 100 candidatos concorrem às 50 vagas oferecidas, sendo 25 para
conselheiros tutelares titulares e 25 suplentes. Os cinco primeiros mais
votados de cada Conselho Tutelar serão convocados e receberão salários de R$
2.887,63, além de benefícios. Já os 25 suplentes só serão remunerados caso
assumam a titularidade.
A presidente da Comissão Especial Eleitoral, Fernanda
Carneiro, destacou que este ano o processo passará por algumas mudanças como a
adesão da urna eletrônica que substituirá a urna de lona. “Não são todos os
municípios que receberão essas urnas, somos um dos onze contemplados no estado
do Rio de Janeiro. Então, vai facilitar bastante o acesso dos eleitores, irá
diminuir as filas e aumentar a lisura do processo. A gente também dobrou a
quantidade de locais de votação, antigamente eram sete e hoje estamos com 15”,
informou.
As eleições são a segunda e última etapa do processo de
escolha para a próxima gestão de conselheiros tutelares. Em julho último,
ocorreu a primeira etapa, que consistiu na aplicação de prova. Foram aprovados
e considerados aptos a participar do processo eleitoral aqueles que obtiveram,
no mínimo, 60% de pontuação total.
FOLHA 1
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