Milhares de brasileiros ficaram desempregados com a pandemia
do coronavírus
Desde que começou a quarentena para combater o coronavírus, a
diarista Izabel Cruz de Oliveira perdeu todas as faxinas que fazia durante a
semana. Ela conseguia tirar R$ 800 por mês - dinheiro que bancava os três
filhos, sendo o mais novo de um ano de idade. "Com a pandemia, fui
dispensada de todas as casas."
Hoje, sem trabalhar, ela vive de doações. O pai, aposentado,
compra as fraldas do bebê e uma vizinha dá o leite. A igreja também ajuda com
outros produtos, diz Izabel.
Ela mora numa invasão na zona leste de São Paulo, por isso,
não paga água nem luz. "Nunca vi nada tão assustador como isso que estamos
vivendo", afirma a diarista.
Como na casa de Izabel, o desemprego já bateu na porta de
quase um terço das famílias que ganham até um salário mínimo. Segundo pesquisa
feita pela consultoria alemã Roland Berger, 30% dos entrevistados - nessa faixa
de renda - dizem já ter, pelo menos, uma pessoa sem emprego em casa por causa
do coronavírus.
"Quanto menor a renda, maior o impacto da crise sobre
essa população mais vulnerável", afirma Marcus Ayres, sócio da consultoria
e um dos responsáveis pela pesquisa.
Segundo ele, o resultado reflete o efeito da crise nos
pequenos negócios, que concentram os empregos de menor renda. É um efeito em
cascata: a lojinha do bairro fecha as portas, deixa de faturar e demite o
balconista, que para de consumir, explica ele.
O levantamento, segundo o executivo, ouviu 700 pessoas em
todo o País nas primeiras semanas de quarentena. "A cada dia que passa a
deterioração nos indicadores piora."
No cenário do economista da Tendências Consultoria Integrada,
Thiago Xavier, a deterioração do mercado de trabalho é perversa e rápida. No
início da quarentena, ele previa desemprego de 12,9% ao final deste ano, num
cenário básico, e de 14,1% num cenário pessimista. Nos últimos dias, o cenário
pessimista virou o cenário básico e nada garante que as projeções não possam
piorar.
Segundo Xavier, o quadro traçado prevê aumento das demissões,
dos desalentados e dos vulneráveis. A previsão leva em conta exatamente a
participação dos pequenos negócios no mercado de trabalho. "Cerca de 50%
dos ocupados (ou 40 milhões de pessoas) estão em empresas com até cinco
funcionários", diz o economista. Desse total, 72% estão na informalidade.
Ele conta que em pesquisa recente do Sebrae, 18,1% dos
pequenos empreendimentos afirmaram ter sido obrigados a demitir, em média, três
funcionários nas últimas semanas.
Reserva de emergência
Outro dado preocupante é a falta de reserva dessa parcela da
população. Segundo a pesquisa da Roland Berger, 57% não têm nenhuma reserva de
emergência para se manter sem emprego e outros 14% têm dinheiro para apenas um
mês. Só 5% têm fôlego para mais de seis meses.
"Para essa fatia da população, o resultado não é
surpreendente, mas quando olhamos para famílias com rendas maiores e vemos que
elas também não têm reserva, ficamos preocupados", diz Ayres.
Para ter ideia, quase um terço das pessoas com renda entre R$
5 mil e R$ 10 mil só tem dinheiro para aguentar um mês sem emprego. Ou seja,
mesmo a classe média não tem condições de se bancar.
Segundo ele, a questão é como recolocar essas pessoas no
pós-pandemia. "Elas podem entrar num estado de vulnerabilidade que
dificulta até a busca por novas oportunidades. Isso pode retardar ainda mais a
volta do crescimento."
Na opinião de Xavier, a retomada - que pode ocorrer entre o
terceiro e quarto trimestre - se dará mais em termos de ocupação do que de
emprego e renda. Isso porque a crise está acabando com o capital do pequeno
empregador, que ficará mais endividado. "Portanto, a retomada será com
mais informalidade e renda menor."
Plano B
Quando a quarentena começou em março, Herbert Bierwagen
completava um ano de trabalho num restaurante no centro de São Paulo. Ele
desenvolvia um projeto de cafeteria e não tinha registro em carteira. "Era
minha principal renda. Não tenho plano B", diz ele, que mora com a
família.
Como tinha crédito com o restaurante, está recebendo R$ 300
por semana. "Dá para comer, mas não sei até quando vou receber esse
valor."
Felippe Fazan também perdeu o emprego no início da
quarentena. Ele trabalhava há dez meses num escritório de advocacia, onde 90%
dos clientes eram shopping centers. Sem emprego, ele terá de contar com a ajuda
da mãe - única a trabalhar em sua casa neste momento - para cobrir suas
despesas.
A avó, por nunca ter trabalhado, não recebe aposentadoria.
"Ficará mais apertado. Apesar de meu salário ser baixo, eu ajudava com
algumas contas de casa."
Desde que foi demitida no mês passado, Marcela Lima ainda
tenta arrumar um emprego em sites e redes sociais. "Mas, diante da
paralisia da economia, eles informam que as vagas estão congeladas ou foram
canceladas."
Ela conta que mora com o filho numa casa alugada e depende de
sua renda para sobreviver. Graças as economias que fez nos últimos anos, ela tem
uma reserva para se manter durante oito meses. "Terei de fazer mais
reduções. Não vou morrer de fome, mas preciso me recolocar rápido."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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