A Controladoria-Geral do Estado encontrou risco de mau uso do
dinheiro público e suspeitas de irregularidade em 99,47% dos contratos e
aditivos feitos pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) do Rio de Janeiro
durante o combate à Covid-19.
A conclusão está na nota de levantamento 20200053 da
Controladoria – já enviada ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), à Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), ao Ministério Público do Rio
de Janeiro (MPRJ) e ao Tribunal de Justiça (TJRJ).
Diante do relatório, a SES informou que revisará todos os
contratos assinados de forma emergencial durante a pandemia e que punirá
"qualquer possível irregularidade"
Segundo o levantamento feito pelos técnicos, a secretaria de
Saúde gastou R$ 1.497.626.148, 68 em contratações para combater a Covid-19.
Desse total, R$ 1.489.696.980,04 - ou seja, 99,47% da verba - apresentam risco
de terem sido gastos de forma irregular.
Existe, ainda, a possibilidade de que todo o montante
utilizado pela secretaria de Saúde no combate ao coronavírus no Estado - na
compra de equipamentos de proteção, kits de detecção da doença ou construção de
hospitais de campanha - esteja comprometido, uma vez que o 0,53% restante ainda
está sob avaliação dos técnicos da CGE.
O mesmo documento da Controladoria aponta que nas outras
secretarias do Estado – que não estão especificadas no documento –, mas que
também fizeram compras durante a pandemia, esse percentual é de 90,91%.
"Nosso trabalho mostra que existe uma grande
desorganização. Há um histórico de falta de interesse em controle – e estamos
combatendo isso. Verificamos a falta de planejamento e cumprimento de execução
nesses contratos. Nesse cenário, o Estado perde recursos de forma absurda. Fica
claro que falta de dinheiro não é. É uma questão de gestão", disse o
controlador-geral do Estado, Hormindo Bicudo Neto.
Conforme o G1 mostrou na última terça-feira (30), a CGE
encontrou oito riscos de mau uso do dinheiro público em contratos da Saúde do
RJ para combate ao coronavírus:
Risco 1 - Contratações pelo valor global sem o detalhamento
analítico por quantitativo de itens e valores unitários nos processos de
implantação de leitos;
Risco 2 - Subutilização de leitos contratados;
Risco 3 - Contratações com valores acima dos praticados;
Risco 4 - Pagamento indevido no valor total do contrato n.º
016/2020;
Risco 5 - Desconformidade no recolhimento das garantias do
contrato;
Risco 6 - Inexecução contratual;
Risco 7 - Subcontratação de leitos;
Risco 8 - Descumprimento da Lei 6.043/2011.
Controlador: ''Não se pode usar a pandemia como
desculpa"
Há trechos de relatórios da Controladoria Geral do Estado nos
quais a Secretaria de Saúde utiliza a existência de circunstâncias especiais e
estado de emergência causados pela pandemia do novo coronavírus para justificar
contratos firmados acima dos valores de mercado e outras ações vedadas pela
legislação.
O controlador-geral rebate esse argumento:
"Isso não pode ser usado como desculpa para não se ter
controle sobre a verba pública, para não fechar bons contratos e para garantir
que esses contratos sejam cumpridos. Nesse tipo de situação que vivemos agora,
por conta de toda essa crise, é possível até suspender temporariamente prazos estabelecidos
em lei para garantir a velocidade na entrega dos materiais e serviços que a
população necessita. Mas não se pode passar por cima das práticas de controle e
fiscalização – quando isso acontece, os resultados não são bons. Essa é uma
obrigação dos órgãos públicos em qualquer período, sob qualquer
circunstância".
Também na semana passada, o G1 detalhou relatório da CGE que
aponta 45 irregularidades no corpo da Secretaria de Estado de Saúde. São elas:
Organograma e Regimento Interno desatualizados e não
compatíveis com a estrutura organizacional da secretaria;
Estudos realizados nas diversas contratações quanto
vantajosidade da publicização não são conclusivos;
Ausência de estudo técnico preliminar para estabelecimento
das metas - quantitativas e qualitativas e do valor máximo para custeio das
unidades de saúde nos Contratos de Gestão;
Redução do volume de serviço público de saúde ofertado para a
- população com majoração dos valores de custeio para manutenção das unidades
de saúde;
A Lei n.º 6.043/2011, que disciplina a celebração entre
contratos entre órgãos de saúde e OSSs, não define que as contratações
ocorrerão pelo tipo "técnica e preço";
Fragilidade de avaliação da técnica pela falta de transparência
dos - critérios de pontuação no edital, conferindo subjetividade à avaliação;
Contratação de OSS não selecionada;
Ausência de normatização para as glosas (notas explicativas)
das Comissões de Acompanhamento e Fiscalização (CAF);
Atrasos nos pareceres trimestrais e semestrais das Comissões
de Acompanhamento e Fiscalização;
Fragilidade decorrente da avaliação financeira das Prestações
de Contas ser realizada apenas pelo Regime de Caixa;
Realização de repactuações dos Contratos de Gestão de forma
intempestiva;
Fragilidades na fiscalização de cunho assistencial;
Fragilidades nos controles de materiais em almoxarifado;
Descumprimento legal em relação à comunicação de
irregularidades e ilegalidades pelos fiscais;
Omissão da Comissão de Avaliação;
Aumento dos repasses nos primeiros termos aditivos acima do
permitido no contrato;
Ausência de normatização para aplicação e cobrança de
sanções, paralisando a execução das multas na SES;
Inconsistência entre os valores demonstrados no Relatório de
Atividades da Secretaria de Controles Internos e Compliance e aqueles
constantes nos controles internos do setor responsável pelos processos
sancionatórios;
Ausência de pagamento, pelas OSSs, das multas aplicadas pela
SES;
Não há registros contábeis para o acompanhamento dos
pagamentos das multas aplicadas;
Atraso no envio de processos para julgamento em instância
recursal;
Ausência de apuração dos indícios de dano ao erário apontados
pelas Comissões de Fiscalização;
Aquisição de medicamentos acima do valor permitido;
Contratações e aquisições de bens que não realizam cotação
prévia de preços no mercado;
Despesas de rateio da sede irregulares;
Subcontratação de serviços de saúde;
Não foram encaminhadas as prestações de contas anuais aos
órgãos de controle externo e controle social;
Gastos irregulares com repasses de investimento;
Benfeitorias em imóveis privados com recursos públicos;
Fragilidades no controle de bens móveis;
Repasse de recurso sem vinculação de meta;
Ausência de normativo para o repasse dos recursos;
Dívida superestimada para com organizações sociais;
Não imputação de glosas (notas explicativas) sugeridas nem de
descontos de produtividades identificados pela fiscalização;
Restos a pagar super-avaliados;
Ausência de controle constante e tempestivo da Secretaria de
Saúde referente ao cumprimento, por parte das OSS, da transparência
estabelecida pela Resolução 1.556/2017 da própria secretaria;
Ausência de controle constante e tempestivo da SES referente
ao cumprimento, por parte das OSS, da transparência estabelecida pela Resolução
SES n.º 1.556/2017
Ausência de divulgação dos comparativos de valores entre as
contratações das OSS e aquelas praticadas pela Secretaria de Saúde;
Demandas relacionadas às OSS não respondidas dentro do prazo
legal;
Necessidade de fiscalização da divulgação da Ouvidoria e da
Pesquisa de Satisfação dos Usuários em Unidades geridas por OSS;
Redução no número de atendimentos por telefone a partir de
2015 na Ouvidoria sem a tomada de providências por parte da SES;
Contratações de funcionários nas Ouvidorias Descentralizadas
em desacordo com Resolução 207/2011 da própria SES;
Ausência de tratamento para as impropriedades apontadas em
relatórios de auditoria interna;
Irregularidades apontadas pela Auditoria Interna da SES no
que se refere aos contratos de gestão firmados com as OSS;
Inconformidade na atuação do Componente Estadual RJ do
Sistema Nacional de Auditoria do SUS em relação aos termos definidos pelo
acórdão Tribunal de Contas da União 1.246/2017.
Crises sucessivas
A Secretaria de Saúde do Rio tem passado por uma sucessão de
crises desde o início da pandemia do novo coronavírus.
Dos sete hospitais de campanha que deveriam ser construídos
para conter o avanço da Covid-19, apenas dois – Maracanã e São Gonçalo, este
último aberto após um mês e meio de atraso e com capacidade reduzida – foram
entregues.
O acordo com a Organização Social Iabas, que seria
responsável pela gestão das unidades, faz parte dos contratos com suspeita de
irregularidades apontados pela CGE.
"Parece evidente que a Secretaria de Saúde não fez um planejamento
correto. Será mesmo que sete hospitais de campanha e 1,4 mil leitos eram
necessários?", questionou o controlador-geral.
No dia 17 de maio, o então secretário de Saúde, Edmar Santos,
foi exonerado do cargo. A decisão do governador Wilson Witzel foi motivada por
conta dos atrasos e problemas nas entregas dos hospitais de campanha, incluindo
o desgaste provocado por denúncias de fraudes na licitação para a compra de
respiradores.
Dez dias antes, Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e
a Polícia Civil do RJ prenderam o ex-subsecretário estadual de Saúde Gabriell
Neves e mais três pessoas.
Além de Gabriell, foram presos Gustavo Borges da Silva e
Aurino Batista de Souza Filho e Cinthya Silva Neumann. Gustavo substituiu
Gabriell Neves no cargo na subsecretaria de Saúde após sua exoneração, em 20 de
abril.
O grupo é suspeito de ter obtido vantagens na compra
emergencial de respiradores para pacientes de Covid-19 no estado.
Para substituir Edmar Santos, Witzel escolheu Fernando Ferry,
até então diretor-geral do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle.
No entanto, a experiência durou pouco tempo: apenas 36 dias.
Ferry pediu demissão no dia 22 de junho.
Fontes do governo disseram à TV Globo que Fernando Ferry
sabia que seria demitido e que o governador estaria insatisfeito com
declarações do secretário.
No dia 17 de junho, ao ser questionado se havia “muita lama
nos contratos da gestão passada”, ele disse: “Não posso julgar (...) mas, como
cidadão, eu acho que tem”.
Fontes da Secretaria de Saúde, no entanto, afirmam que ele
pediu demissão pela pressão que vinha sofrendo pra pagar contratos.
O coronel do Corpo de Bombeiros, Alex da Silva Bousquet,
assumiu a titularidade da pasta.
Em entrevista coletiva concedida no dia 1 de julho, ele
anunciou que o governo desistiu da construção de dois dos sete hospitais de
campanha - Campos e Casimiro de Abreu.
Outras unidades que já estão em processo de construção em
Duque de Caxias, Nova Friburgo e Nova Iguaçu serão concluídas.
O que diz a Secretaria de Saúde
Após ser questionada, a Secretaria de Estado de Saúde enviou
a nota abaixo:
"A Secretaria de Estado de Saúde informa que, em relação
aos contratos firmados pela antiga gestão, montou uma força-tarefa composta
pelo corpo técnico da SES para revisar todos os contratos firmados de forma
emergencial no período da pandemia, em conjunto com a Procuradoria Geral do
Estado (PGE) e a Controladoria Geral do Estado (CGE). A SES reafirma que irá
punir, de acordo com a legislação vigente, qualquer possível irregularidade que
for constatada pelos órgãos de controle feita por qualquer agente público.
Além disso, a Secretaria ressalta que está respondendo a
todos os questionamentos feitos pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e pelo
Ministério Público Estadual (MPE) relativos aos contratos firmados nesse
período.
A Secretaria acrescenta que está adotando medidas para
garantir transparência nos contratos anteriormente estabelecidos, inserindo
todos no Sistema Eletrônico de Informações (SEI)".
Fonte: G1
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