Em sete estados, o pico de mortes em 2021 já superou o ponto mais alto dos números do ano passado
Um ano após o primeiro caso de Covid-19, oficialmente registrado em 25 de fevereiro, o Brasil passa pelo pior momento da pandemia provocada pelo novo coronavírus. No último mês, mais de mil pessoas por dia em média morreram em decorrência da doença. E o indicativo é de que nesta quinta-feira (25), segundo o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), o Brasil ultrapasse o total de 250 mil mortos pelo novo coronavírus.
Apenas no período que compreende janeiro e fevereiro, o
número de óbitos cresceu mais de 30%. Manaus, a primeira cidade que viu seu
sistema de saúde colapsar em 2021 depois de perder pacientes sufocados por
conta da falta de oxigênio hospitalar, registrou 5.288 mortes nos primeiros 54
dias., superando o número de vidas perdidas do ano passado todo, um total de
5.285 vítimas.
Em Araraquara (SP), ao longo de 2020, 92 pessoas morreram por
conta da doença. Contudo, somente do início do ano até esta quarta (24), novas
185 mortes foram notificadas. A situação se repete em pelo menos sete dos 27
estados brasileiros, de acordo com levantamento da Folha de São Paulo.
Em Roraima, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso do
Sul, Rondônia, Paraná e Amazonas, o pico de mortes por covid-19 em 2021 já
superou o ponto mais alto da pandemia no ano passado.
Médico e infectologista, Gonzalo Vecina, professor na
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), alerta que a crise sanitária
“não é um milagre“.Vecina afirma que “isso é fruto da forma como o Estado
brasileiro está enfrentando a pandemia. Ou seja, está deixando ‘correr solta’ a
pandemia. Não tem cabimento o que está acontecendo no Brasil”, lamenta.
Enquanto o Brasil vive um crescimento no número de casos, de
forma inversa outros países começam a reduzir o índice de infecções e óbitos.
Nos Estados Unidos, por exemplo, houve uma queda de 22% nas mortes no último
mês. Em Israel, Reino Unido e Chile também há avanços, em especial em
desempenhos na imunização de suas populações.
Na avaliação do fundador da Anvisa, todo o caos sanitário
pelo qual passa o país está atrelado à estratégia adotada há um ano pelo
governo de Jair Bolsonaro. “Vamos deixar o maior número de pessoas pegar a
doença, que assim a doença acaba”, reproduz Vecina, aludindo ao que seria a
postura do presidente. “Mas o grande problema desse raciocínio é que, quando
nós temos pessoas que se infectam, também temos um aumento do número de
mortes”, observa.
“Nesse momento, com 250 mil mortes, a estimativa é que 20% da
população já teve a doença. Para chegar na imunidade de rebanho, nós
precisaríamos chegar em 70% da população. Se com 20%, tivemos 250 mil mortes,
para 70%, eu tenho que multiplicar 250 mil por três. Quer dizer, a expectativa
do nosso presidente é que nós cheguemos a quase 800 mil mortos para controlar
essa pandemia, quando não era nem necessário ter os 250 mil mortos. Seguramente
uma parte importante desses mortos se dá em decorrência dessas políticas
negacionistas do Ministério da Saúde”, destaca o especialista.
A pretensão de Bolsonaro, em suas palavras, é “inacreditável”
e “inaceitável”. E demanda da sociedade frentes de luta por mais vacinas,
isolamento social e auxílio emergencial. “Não tenho dúvida que a palavra é
lockdown. Com a situação em que estamos, com o número de mortos, nós temos que
fazer. E ao fazê-lo, temos que proteger as pequenas empresas e os pobres, senão
o lockdown vai ser igual a produzir uma convulsão social”, defende Vecina.
Diante do que chama de um “caos sanitário gravíssimo”, a
presidenta do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Lucia Souto,
avalia que o que resta à sociedade brasileira é “enfrentar e se mobilizar
contra essa situação, apesar do governo”. Médica sanitarista e pesquisadora da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ela também afirma que o atual momento do país
foi “provocado por essa inação, cumplicidade e sabotagem do governo federal,
que é realmente irresponsável e genocida”.
GOLPE GINAL - O golpe final, para ela, é a tentativa de
barganha para prorrogar o auxílio emergencial com a aprovação da desvinculação
do piso mínimo obrigatório à saúde e à educação. A medida faz parte da Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) 186, a chamada “PEC Emergencial” que tramita no Legislativo. De acordo com
Lucia, ela pode destruir as áreas sociais no país, e por isso entidades e
movimentos sociais estão atentos à PEC.
Ontem, a Frente Pela Vida, composta pelo Cebes e outras
associações de saúde coletiva e educação como a Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Educação (CNTE) deram início a “Jornada Nacional por Vacinas
Já” e se reuniram com a minoria da Câmara e o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (DEM-MG), para pressionar por vacinação em massa e contra a PEC
Emergencial.
Lucia lembra que o Brasil dispõe do Sistema Único de Saúde
(SUS) e do Programa Nacional de Imunizações que, com investimentos e diretrizes
corretas, salvariam o país da atual crise sanitária. “Temos meios para isso
acontecer, mas estamos assistindo à sabotagem do governo. Só que também não estamos
inativos”, adverte.
“Esta realmente é uma luta árdua que estamos vivendo na
sociedade brasileira. Hoje nós estamos com 250 mil mortos, é o ‘luto’ que hoje
é verbo. É exaustivo, mas estamos numa jornada de lutas”, completa a presidenta
da Cebes.
CAMPOS 24 HORAS
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