Proposta restringe as possibilidades de prisão de parlamentares; deputados acham que têm havido excessos no STF
Um dia depois do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) determinar o afastamento da deputada Flordelis (PSD-RJ) do mandato, denunciada por supostamente ordenar o assassinato do marido, e oito dias após a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL)-RJ), por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmada pelo Parlamento, a Câmara dos Deputados deve fazer uma tramitação expressa e votar proposta de emenda à Constituição (PEC) para restringir as possibilidades de prisão de parlamentares e impedir o afastamento do mandato.
A PEC 3/2021 está sendo discutida no plenário da Câmara como
único tema na sessão desta quinta-feira (25), a segue em rápida tramitação na
Casa.
Ao forçar a mão para prender o deputado que criticou
grosseiramente seus ministros, o STF acabou “empurrando” a Câmara a alterar a
Constituição para reafirmar que todos são iguais perante a lei, mas alguns são
mais iguais que outros, como deputados e senadores.
Os parlamentares votaram contra o deputado Daniel Silveira
(PSL-RJ), até porque não gostam dos seus modos e do jeito rude de relacionar-se
na Câmara, mas acham que o STF ofendeu a “inviolabilidade do mandato”. A PEC
veda decisão monocrática do STF para prender parlamentares, tão ao gosto do
ministro Alexandre de Moraes. Só o plenário terá esse poder.
A decisão protege, inclusive, parlamentares que tenham
cometido crimes graves, como corrupção, lavagem de dinheiro,
O texto foi protocolado ontem, após reunião informal entre
parlamentares do PP, PL, Republicanos, DEM, PV, PSDB e PSD para elaborar uma
minuta, e já entrou em pauta hoje.
NÃO INELEGÍVEIS - A proposta revoga parte do fim do foro
privilegiado, impede que juízes de primeira e segunda instância mandem prender
ou autorizem busca e apreensão contra deputados, determina que políticos não
podem ficar inelegíveis por condenações no Supremo Tribunal Federal (STF) se
não houver julgamento por outra instância antes e limita a possibilidades de
prisão e as investigações.
A proposta ganhou tração apesar de Flordelis estar denunciada
desde agosto por cinco crimes, entre eles homicídio triplamente qualificado, e
manter o mandato na Câmara. Das 11 pessoas denunciadas junto com ela pelo
assassinato, nove estão presas, mas ela ficou solta, segundo o Ministério
Público, por ter imunidade parlamentar - só pode ser presa em flagrante por
crime inafiançável. O processo contra ela no Conselho de Ética só começou a
tramitar ontem, após seis meses, mas o caso não gerou grande repercussão na
Câmara.
A discussão sobre a imunidade parlamentar só ocorreu, e de
forma expressa, por causa da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) por
ataques aos ministros do STF num vídeo nas redes sociais. A Câmara o manteve
preso, mas agora quer votar de forma expressa um projeto para “clarear” o que é
de fato crime inafiançável e o flagrante.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que um
grupo de trabalho seria formado para “regulamentar” o dispositivo e o tema já
entrará em votação hoje direto no plenário, embora ainda estivesse na fase de
coleta de assinaturas na noite de ontem. A intenção dele é enviar o texto
direto ao plenário, mesmo se tratando de uma PEC, aproveitando que as comissões
permanentes ainda não foram instaladas. O rito normal seria que uma PEC fosse
discutida primeiro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois por uma
comissão especial antes de ser submetida em dois turnos no plenário.
CRIMES - Pelo texto, só serão crimes inafiançáveis, pelos
quais os deputados poderão ser presos antes da condenação judicial os listados
na Constituição: racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, a ação de
grupos armados contra o Estado Democrático e crimes hediondos. Assassinato, por
exemplo, não estará incluído nesse rol, a não ser que seja qualificado (quando
o ato envolve “perversidade” ou motivo fútil).
Não houve mudança na exigência de flagrante, mas a prisão, se
a PEC do deputado Celso Sabino (PSDB-PA) for aprovada, só poderá ocorrer por
decisão dos ministros do STF, não poderá ocorrer no plantão forense (o que
deixa brechas para que crimes cometidos durante o fim de semana fiquem impunes)
e só será efetivada após julgamento pelo plenário da Corte. Silveira foi preso
por liminar do ministro Alexandre de Moraes.
Após isso, a Câmara será notificada e terá 24 horas para
decidir, por maioria, se aceita a prisão. Enquanto o caso não é votado, o preso
não ficará mais custodiado pelo Judiciário, mas pelo próprio Congresso, que
decidirá onde será cumprida a prisão em flagrante. Segundo um parlamentar que
participou da construção da minuta, a “prisão” poderá ser inclusive em
domicílio.
Juízes de primeira e segunda instância não poderão determinar
a prisão, mesmo em flagrante de crime inafiançável, e nem aprovar ações de
busca e apreensão na residência ou gabinetes dos parlamentares. A PEC reverte
parte do fim do foro privilegiado, restrito pelo Supremo aos casos que envolvam
o mandato, e diz que apenas o STF poderá permitir essas investigações, mesmo
que se tratem de crimes comuns.
Além disso, a PEC proíbe que o Judiciário determine o
afastamento de um parlamentar, como já ocorreu com o senador Aécio Neves
(PSDB-MG) e mais recentemente com o deputado Wilson Santiago (PTB-PB), acusado
de liderar um esquema de desvio de verbas públicas. Ambos tiveram a suspensão
do cargo rejeitada pelo Congresso.
O caso do petebista até hoje sequer chegou ao Conselho de
Ética, mais de um ano após a votação. “Com a PEC você tira do Judiciário a
prerrogativa de afastar um deputado. Somente o Congresso vai poder analisar
isso. É uma espécie de delimitação maior da fronteira entre o Judiciário e o
Legislativo”, disse o advogado Moroni Costa.
Outro dispositivo desenhado especificamente para evitar algo
que ocorreu com Silveira é que, se a prisão for mantida pelo Congresso, o juiz
competente deverá promover em 24 horas uma audiência de custódia e decidir
sobre o pedido do Ministério Público para conceder a liberdade provisória,
aplicar medidas cautelares ou converter a prisão de em flagrante em preventiva.
Havia a expectativa entre os deputados de que Silveira seria
solto na audiência de custódia na quinta-feira, já que o procurador-geral da
República, Augusto Aras, pediu que a prisão fosse domiciliar e com tornozeleira
eletrônica após denuncia-lo ao STF, mas o juiz disse no dia que só analisaria o
pedido do MP após a votação da Câmara. Até o momento, Silveira continua preso.
O processo contra ele no Conselho de Ética começou a tramitar ontem, mas, nos
bastidores, os parlamentares do Centrão falam em evitar a cassação e aplicar
uma suspensão de 90 dias do cargo.
LEI DA FICHA LIMPA - O texto da PEC ainda determina que a Lei
de Ficha Limpa só valerá para tornar algum político inelegível quando houver o
duplo grau de jurisdição, mesmo que a primeira decisão seja colegiada. Hoje os
parlamentares federais são julgados pelas turmas do STF e podem ficar
inelegíveis com a condenação apenas por uma instância, por esta ser colegiada.
Com a mudança, seria exigido um julgamento pelo pleno.
Para a deputada Fernanda Melchiona (Psol-RS), não se trata de
regulamentação da imunidade parlamentar, mas um “salvo conduto” para qualquer
tipo de crime. “Com tantos casos de corrupção e mais recentemente de
autoritarismo parece a PEC da Impunidade”, disse.
CAMPOS 24 HORAS
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