Falta de contato com colegas, rotina desregrada e exposição prolongada a telas são fatores que afetam jovens durante a pandemia. Especialistas explicam por que o isolamento prolongado pode causar problemas como depressão e ansiedade.
Depois de três meses de pandemia, o comportamento de Mônica*,
de 16 anos, começou a mudar. Ela chegou a dormir durante as aulas on-line, em
frente ao computador. Aos poucos, ficava mais introspectiva e triste — queria
passar o dia sozinha no quarto, de luz apagada, sem abrir a janela. Em outubro
de 2020, seus pais procuraram ajuda médica e receberam o diagnóstico: a jovem
estava com depressão.
Estar longe dos amigos por tanto tempo e ter a rotina
totalmente modificada após o fechamento das escolas comprometeu a saúde mental
dos adolescentes. É o que dizem psicólogos, psiquiatras e pedagogos ouvidos
pelo G1.
“É uma fase da vida em que o psiquismo ainda está em
formação. Ficar isolado traz um impacto muito grande, e os jovens ainda não têm
recursos emocionais para lidar com uma dificuldade deste tipo”, explica Marcelo
Feijó, professor do departamento de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina
e da Faculdade de Medicina Einstein (SP).
Mais birra, irritabilidade e até depressão: as consequências
da falta de aulas presenciais para as crianças
Ricardo*, pai de Mônica, conta que a filha não sabia explicar
o momento pelo qual passava.
“Ela estava no fundo do poço. Chegou um certo momento em que
ela não aguentou mais: me disse que não sabia o que estava acontecendo. Chorou,
chorou”, conta.
“A psicóloga recomendou um psiquiatra, porque era uma crise
muito profunda de depressão. Algumas falas da Mônica tinham relação com
suicídio.”
Por que estar sem aula presencial pode trazer tantas
consequências emocionais?
A suspensão das aulas impacta a saúde emocional dos
adolescentes por motivos como:
a rotina desregrada, sem horários definidos;
a distância dos amigos e dos professores;
a exposição prolongada a telas;
o contato mais intenso com problemas do núcleo familiar (como
agressões e brigas);
“Há uma quebra de ritmo de vida, de socialização e de
horários. O confinamento priva os adolescentes dos contatos, das conversas. E
ainda existe a preocupação de perderem alguém na pandemia”, explica Feijó.
Quais alterações na saúde emocional podem ocorrer?
Segundo os especialistas ouvidos na reportagem, o afastamento
prolongado dos colegas e a interrupção das aulas presenciais podem trazer:
ansiedade e depressão;
alteração no sono e no apetite;
maior irritabilidade e agitação;
dores psicossomáticas (uma dor de cabeça, por exemplo, de
origens emocionais);
uso de álcool e de drogas;
automutilação.
“Os adolescentes querem ficar no grupo deles. Se estão
privados disso, sentem-se sacrificados. Começam a enfrentar crises, alguns se
automutilam, têm compulsão alimentar ou vomitam depois das refeições. São
compensações do desequilíbrio”, explica Feijó. “Eles podem também confrontar a
autoridade dos pais e ficarem mais rebeldes.”
Vitor Calegaro, professor de neuropsiquiatria da Universidade
de Santa Maria (RS) e coordenador do projeto Covid Psiq, diz que os jovens
tendem a apresentar mais sintomas de depressão, ansiedade, estresse
pós-traumático e alcoolismo.
“Quanto mais nova for a pessoa, menos resiliente ela é, em
geral. Isso tem a ver com a maturidade emocional. O adolescente é mais sensível
e tem menos capacidade de enfrentar os problemas”, explica.
Jovens com deficiência: mais dificuldades
Os estudantes que passam a conviver apenas com seu núcleo
familiar perdem o contato com outros universos. Entre os que têm alguma
deficiência, as consequências podem ser ainda mais graves. “Eles têm menos
capacidades de enfrentar a situação. E a quebra de rotina os afeta muito”,
afirma Feijó.
Essa foi a percepção de Cristiane Irineu, mãe de gêmeos
autistas não-verbais: Gabriel e Lucas, de 16 anos. Eles estudam em um colégio
municipal na zona sul de São Paulo, em classe comum. Mesmo antes da pandemia,
já enfrentavam problemas na inclusão — basicamente só conviviam com os colegas,
sem adaptações que garantissem a aprendizagem.
A socialização, pelo menos, era um benefício para os garotos.
Mesmo sem saberem falar, eles se relacionavam com a mesma classe desde o
primeiro ano.
“A escola nunca entrou em contato, não passou nenhum tipo de
atividade para os meninos no último ano. Eles estão em casa, sem os amigos”,
conta a mãe.
“O Gabriel só quer ficar deitado. Tento levá-lo para a laje,
mas ele não quer ir. O Lucas ficou muito mais agitado; tivemos problemas com
ele.”
Quando procurar ajuda?
Segundo Feijó, em uma situação tão prolongada de isolamento,
é inevitável que haja consequências na saúde emocional dos adolescentes. Mas
quando é hora de procurar ajuda médica?
“É preciso analisar se é algo que perdura e que representa
uma mudança muito radical no comportamento da pessoa. Se for apenas tristeza,
quando tiver uma festinha com a família em casa, ela consegue sair daquele
estado de desânimo”, diz. “Na depressão, essas mudanças são mais raras. O
paciente fica mal em qualquer ambiente — é um comportamento que persiste.”
No caso de Mônica, citada no início da reportagem, o
atendimento psicológico foi essencial para sua melhora.
"Ela falava que não conseguia levantar da cama. Depois
de começar a tomar os remédios receitados pela psiquiatra e de fazer terapia,
já está apresentando uma melhora gradativa”, diz seu pai.
“Ficou mais animadinha. A escola dela reabriu, e decidi que
valeria a pena que ela fosse duas vezes por semana. Ela voltou da aula contente
de ter visto os amigos. Mas não foi uma decisão fácil: nós vamos ficar sem ver
meus pais até a vacina, porque minha filha está se expondo, não tem jeito. Mas
minha expectativa é que a saúde mental dela melhore.”
Em Florianópolis, Jéssica* chegou a levar o filho, Lucas*, de
13 anos, a consultas na psicóloga. Ele não queria sair de casa e estava com
movimentos repetitivos.
“Era um quadro possível de TOC [transtorno
obsessivo-compulsivo], de ansiedade e de depressão. Mas, depois da avaliação,
ele teve alta”, conta a mãe. “Ele ainda dá risada, conversa, pergunta coisas
para mim e para o pai. Não está totalmente fechado no mundo dele.”
Lucas ainda não sabe quando voltará para a escola. A mãe dele
tomará a decisão após uma reunião virtual com os professores e pais de alunos.
“Para mim, é um risco. No começo, pelo menos, vou deixá-lo só nas aulas
on-line. Vamos ver como me sinto depois.”
Desafios na retomada
Os especialistas reforçam que a retomada das aulas deve
acontecer apenas quando houver condições seguras e adequadas para a prevenção
da Covid-19.
Marta Gonçalves, professora e psicopedagoga do Instituto
Singularidades, ressalta também que é preciso preparar uma reabertura segura,
focando não só na questão curricular, mas no acolhimento emocional.
Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), dá sugestões de atividades de acolhimento,
elaboradas por seu grupo de pesquisa:
formar grupos cooperativos que pensem em soluções para os
problemas que surgirem na retomada;
estimular a organização de ações de solidariedade entre os
alunos;
monitorar as redes sociais;
organizar rodas de debate e conversa com temas propostos
pelos estudantes;
Em todos os casos, é preciso estar atento à necessidade de
atendimentos individualizados. A escola deve acionar as redes de proteção
quando julgar que um aluno está em situação de sofrimento acentuado.
G1
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