Artistas explicam que dramaturga deixou legado de obras-primas
Fantasma com medo de gente, bruxinha boa, um dragão que é verde, um cavalinho azul, uma menina que se move com o vento… são incontáveis as imaginações que brotam com a cortina que se abre, com o palco que se ilumina ou com as páginas que são devoradas ainda que se saiba o final. Aliás, essa é uma história sem final, garantem artistas e pesquisadores da obra da escritora, dramaturga e atriz mineira Maria Clara Machado. “A gente é educadora também quando faz teatro infantil”, disse Maria Clara, em entrevista à TV Brasil no ano de 1977. Ela, que nasceu há 100 anos (em 3 de abril de 1921) e morreu em 2001, é lembrada pela genialidade e originalidade de valorizar a inteligência das crianças e devolver a infância – nem que seja pelos minutos de uma sessão de teatro – a quem vive a rotina menos mágica de ser adulto.
Ela escreveu 12 livros, 29 peças infantis e cinco espetáculos
para adultos. Uma obra vasta e variada fez com que ela se tornasse o principal
nome brasileiro ligado à dramaturgia para crianças. “Maria Clara inventou uma
linguagem para falar com as crianças, que vem do coração e de suas próprias
lembranças”, considera a dramaturga Eddy Rezende Nunes, de 94 anos de idade, em
entrevista à Agência Brasil. Ela foi uma das parceiras de Maria Clara na
criação de O Tablado, em outubro de 1951, no Rio de Janeiro, e que se tornou um
dos principais centros de formação de atores do Brasil. O Tablado formou mais
de 5 mil novos atores desde então. Ela testemunha que a criatividade da amiga
vinha de uma disciplina infalível, que incluía trabalhar muito, o dia inteiro.
Para a diretora de O Tablado, Cacá Mourthé, que é sobrinha de
Maria Clara Machado, o trabalho da tia para crianças passou a fazer sucesso
porque a forma de tratar a infância foi profundamente alterada. “A dramaturgia
para crianças praticamente não existia. E ela resolveu fazer teatro como se
fosse para adulto. Ela acreditava na inteligência da criança e levou muita
poesia para a infância. Ela tinha uma vocação muito especial para lidar com
esse público”, diz Cacá Mourthé. A
história de Pluft, o Fantasminha, uma de suas obras mais famosas, escrita em
1955 e encenada até hoje também fora do Brasil, tinha sido pensada inicialmente
para teatro de bonecos, e foi escrita em uma semana.
De acordo com a pesquisadora Claudia de Arruda Campos,
professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP), a primeira peça
realmente infantil da dramaturga foi O Rapto das Cebolinhas (de 1954). Na
análise da estudiosa, o espetáculo Boi e o Burro no Caminho de Belém (1953) tem
característica de peça para família. “Nos anos 1960, Maria Clara Machado já
está espalhada pelo Brasil e é a referência”, afirmou, em entrevista ao
programa Caminhos da Reportagem.
Para o pesquisador e dramaturgo Sandro Luís Costa da Silva,
professor do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), toda obra de Maria Clara
Machado tem joias de descobertas e, por isso, consegue sensibilizar tanto as
crianças quanto os adultos. Ele identifica que os textos dela são fundamentais
para utilização em sala de aula. “As obras dela comunicam em duas vias: ela
atinge as crianças com uma perspectiva, e com os adultos que as levam para o
teatro, ela conversa de outra forma”, disse em entrevista à Agência Brasil.
A professora de O Tablado Tita Nunes, que é também
cenografista e figurinista, explica que o legado de Maria Clara Machado para a
dramaturgia infantil é indescritível. “Ela trata a criança como gente. Como uma
pessoa que é capaz de ouvir histórias com muita seriedade. É por isso que a
obra dela é eterna”. A estudiosa contextualiza que a obra dela não é datada e,
por isso, encanta gerações diferentes. “O grande aprendizado é que a obra nos
afeta de tal forma que saímos mais leve. Com O Cavalinho Azul, por exemplo, ela
nos fazia sonhar. O aprendizado é de sermos pessoas melhores, mais fraternos e
unidos, que precisamos tanto nesse momento”.
Conforme avalia Eddy Rezende, Pluft, o Fantasminha gera elo
com a plateia pela simplicidade única empregada nas cenas, que gera paixão nas
crianças e nos adultos. “A família fantasma promove uma imediata identificação
com a criança que assiste ao espetáculo”, afirma. “É nessa peça que fica clara
sua adesão ao mundo infantil e traz o arsenal de amor e ternura”, afirmou a biógrafa
Claudia de Arruda Campos.
Encantamento – Entre
os alunos encantados com a obra de Maria Clara Machado, um local em especial
tem motivação de cultivar a memória da autora. Em Belo Horizonte, cidade natal
da autora, uma escola leva o nome de Maria Clara Machado. A unidade de ensino,
inaugurada em 1970, queria homenageá-la. “Fomos ao Rio de Janeiro e pedimos
autorização para ela. Ela foi muito delicada, sorriu e disse que não só
autorizaria como também iria conhecer a escola. Fizemos uma tarde de autógrafos
com Pluft, o Fantasminha e O Cavalinho Azul”, afirma a pedagoga e uma das
fundadoras do colégio, Maria Cristina Ferreira. “A escola tem a filosofia do
cuidado. Estudamos intensamente a vida e a obra dela e dramatizamos as obras
como ferramenta pedagógica”, afirma o atual diretor, José Donizetti dos Santos.
Para Cacá Mourthé, a inspiração da tia tem como origem o
ambiente cultural promovido pelo avô, o escritor Aníbal Machado, que estimulou
de forma decisiva a formação da artista. A atual diretora de O Tablado recorda
que Maria Clara, na década de 1940, já tinha um espírito inquieto e não
tradicional, tanto que foi trabalhar na companhia aérea Pan Air e juntou-se ao
movimento Bandeirante, que tinha essência de liberdade das mulheres e viés de
apoio comunitário.
“O sonho dela não era casar ou ter filhos. Ela queria criar”,
destaca Cacá Mourthé. Criar, ajudar os que precisavam e se sentir livre. O
sentimento artístico aflorou quando passou a escrever peças de teatro de
bonecos. Por causa do trabalho e do bandeirantismo, viajou bastante pela Europa
e Estados Unidos. Quando voltou, fez parte do grupo de amigos que foram ajudar
pessoas em vulnerabilidade no Patronato Operário da Gávea, trabalho
assistencial que prestava apoio comunitário. Aplicar injeção não era seu forte.
Gostou mesmo de reunir as crianças para contar histórias.
Foi lá que Maria Clara Machado descobriu o dom de lidar com
crianças, improvisar rodas de leitura e as primeiras encenações. Inspirada em
sua própria trajetória, criou as primeiras histórias. Era o começo de uma
carreira que faria história. “Ela
começou a fazer teatro para crianças. Assim, em 1951, ela resolveu fundar em um
galpão o teatro O Tablado, com os amigos”. O que era só improviso e nasceu de
forma amadora ficou sério. Foi a partir das reações da plateia que pensou que
poderia transformar as peças que ela tinha pensado para teatro de bonecos para
encenações.
A amiga Eddy Rezende acreditou no potencial que se
apresentava e se tornou parceira das “aventuras” que estavam por vir. Atuou
como atriz, produtora, assistente e até na administração do teatro. Fez de
tudo. “Era muito gratificante. Descobri que era melhor produtora do que atriz”.
FONTE: LUIZ
CLAUDIO FERREIRA (AGÊNCIA BRASIL)
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