Um dos
lugares mais charmosos da região, pedaço frequentado pela boemia campista nas
décadas de 1970/80, o Pontal de Atafona a cada dia perde um pedaço, outra casa
que sai de cena e está perto do fim. O mar avança e destrói casas, invade a
alma e a memória afetiva dos seus frequentadores. A maresia cheira nostalgia, a
saudade do olhar perdido diante de imagens de algo caótico, melancólico e
assustador dos escombros que restaram diante a bravura das águas que buscam o
que é seu, o espaço ocupado pelo homem.
Na confluência do Rio Paraíba com o mar, a vida noturna do Pontal acabou, já não lhe resta quase mais nada, a não ser alguns poucos quiosques que servem aos banhistas, cujos donos estão sempre atentos com as águas batendo à porta, diante do perigo e a iminência da próxima destruição.
O processo de erosão que já ocorre há décadas avança. Na noite da quinta-feira (02/12), menos 40 casas na região já estavam sob ameaça pelo avanço do mar. Moradores passaram a noite de quinta e a manhã desta sexta tentando salvar móveis e pertences depois que a água chegou às casas.
Na manhã desta sexta-feira (03/12), a Defesa Civil reforçou uma barreira de terra construída em um mangue, na beira do mar para tentar conter a água. Homens e máquinas da prefeitura fazem o trabalho de remoção de água e entulhos arrastados pela água.
Na parte mais alta da praia já se foram centenas de casas, incluindo edificações simbólicas como a caixa d’água e o prédio do Julinho, que hoje desapareceram entre ruas que viraram escombros. Estima-se que as águas já tenham derrubado pelo menos 500 construções.
Barragens ao longo do Rio Paraíba do Sul, bem como a devastação das matas ciliares ao longo do seu curso, estão entre as causas do fenômeno. Com o fluxo diminuído e o leito assoreado, o rio não consegue vencer o mar, que avança com cada vez mais força sobre a foz, onde fica Atafona.
As mudanças climáticas aceleram o processo de erosão, uma vez que influenciam a frequência e intensidade de ressacas e tempestades mais extremas. Em Atafona, o mar avança 3 metros por ano, segundo pesquisadores.
Moradores e veranistas vivem a expectativa de um futuro incerto, diante do mar engolindo suas casas há décadas, sem perspectivas de solução para os impactos gerados no balneário onde acontece um dos desastres ambientais de erosão costeira mais severos do Brasil.
Em São João da Barra, o poder público continua inerte, ao contrário do que outros municípios já fizeram, casos de Balneário Camboriú e Guarapari, que atravessaram problemas de erosão com o avanço do mar e obtiveram êxito com obras estruturantes.
Na cidade catarinense, uma megaestrutura contratada para o alargamento da praia central de Camboriú já provocou mudanças na paisagem local. A intenção é retomar o cenário perdido e transformá-lo na segunda maior em faixa de areia do Brasil, perdendo apenas para Copacabana.
Hoje, são 25 metros de espaço até o mar. O objetivo é triplicar o trecho, chegando a 75 metros de areia – com possibilidade de retração de até 5 metros após um período de assentamento.
A obra de engenharia hidráulica, de R$ 60 milhões, chama atenção dos moradores e turistas diante da complexidade e da amplitude.
Em Guarapari, as obras para contenção da erosão e restauração da região costeira da praia de Meaípe, já começaram. Segundo o governo do Estado, o investimento é de R$ 67 milhões nas obras que serão executadas pelo Departamento de Edificações e de Rodovias do Espírito Santo (DER-ES).
Em 2019, representantes do governo e da sociedade civil de São João da Barra participaram de uma Audiência Pública sobre erosão costeira na Câmara Municipal, quando foi apresentada proposta para conter o avanço do mar em Atafona, através de soluções não estruturais para recuperação e defesa do litoral, utilizando transposição artificial de areia associada à alimentação artificial do sistema praia-duna.
A alternativa de intervenção ao fenômeno natural foi apresentada pelo palestrante Eduardo Bulhões, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), PHD em Geologia Marinha e Impactos Ambientais em Zonas Costeiras. A proposta, economicamente viável, tem a previsão de custo em torno de R$ 20 milhões e é ambientalmente sustentável.
“Aplicado às zonas costeiras, esse conceito visa mudar o paradigma de intervenção na costa direcionando-o à exploração de materiais naturais e processos ecológicos para projetar soluções de engenharia ambientalmente equilibradas, na qual a busca para a restauração, recuperação, refuncionalização, regeneração e conservação de ecossistemas costeiros como praias e dunas sejam a tônica nas intervenções de defesa do litoral”, explicou Bulhões.
– Sabemos que combater esse fenômeno é complexo, por isso, estamos dividindo com os moradores, sociedade civil organizada, instituições ambientais e diversas autoridades a responsabilidade de buscar uma solução para conter o processo de erosão costeira que seja viável tecnicamente e financeiramente – disse a prefeita Carla Machado, que pretende em outras audiências públicas continuar discutindo o assunto, com a apresentação de outros estudos, levando em consideração custo benefício e tramitações ambientais e legais.
Segundo Bulhões, os impactos positivos da recuperação artificial do sistema praia-duna estão associados diretamente à adição de materiais idênticos aos que foram perdidos; aumento da praia recreativa; restauração e renaturalização do ecossistema costeiro; melhoria e manutenção da estética da paisagem; praia e duna absorvendo o impacto do mar; custo significativamente menor e restabelecimento do lençol freático (aquíferos dunas). Já os negativos fazem referência à manutenção mais frequente e dependem também da característica das areias utilizadas.
A proposta prevê, ainda, recomendações adicionais referentes à criação de unidade de conservação de uso sustentável e elaboração de plano de manejo que conste o zoneamento que permita proteção efetiva às dunas; programa mensal e bimestral de monitoramento do volume de areias no sistema praia-duna; vincular fontes de recursos para a manutenção periódica das ações de defesa do litoral; e viabilizar a construção de estruturas leves de acessibilidade sobre as dunas frontais, tais como rampas ou passarelas suspensas, por exemplo.
Enquanto não se busca solução para conter o processo de erosão, turistas atraídos pelo cenário de ruínas documentam com suas máquinas fotográficas o rastro de destruição e o que resta sob ameaça do furor da natureza. * Fonte: Campos24Horas
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