Por não aplicarem neste ano ao menos 25% da receita em educação, como obriga a Constituição, oito de cada dez prefeitos do País correm o risco de serem enquadrados na Lei de Responsabilidade Fiscal e até se tornarem inelegíveis por improbidade administrativa. A cerca de 20 dias do fim do ano, eles apelam agora aos deputados por uma isenção de responsabilidade, já aprovada pelo Senado.
O argumento
usado pelos municípios é o de que não havia no que investir, já que as escolas
ficaram fechadas quase o ano todo, reduzindo os gastos, por exemplo, com
limpeza, transporte e material escolar. Para educadores, no entanto, o recurso
deveria ter sido usado em tecnologia, infraestrutura para a volta presencial e
na recuperação da aprendizagem.
A estimativa
de 81% dos municípios fora da regra é da Frente Nacional de Prefeitos (FNP),
que também calcula o montante não aplicado: ao menos R$ 15 bilhões deixaram de
ser investidos na educação básica (infantil, fundamental e médio, de 0 a 17
anos) desde o início da pandemia. O total se refere a 2020 e 2021 – no ano
passado, 35% das prefeituras não aplicaram o mínimo constitucional. Os números
foram tabulados a partir dos dados mais atuais do Sistema Integrado de
Planejamento e Orçamento (Siop). Até outubro, 698 prefeituras informaram quanto
tinham investido no ensino ao longo de 2021 – dessas, 569 não alcançaram 25%.
“O ensino
passou a ser online. Ficamos assim por quase dois anos, o que reduziu
drasticamente os gastos”, disse o prefeito de Aracaju e presidente da FNP,
Edvaldo Nogueira Filho (PDT). Outra dificuldade foi que a Lei Complementar
173/2020 impediu reajustes salariais e novas contratações durante a crise
sanitária.
A entidade
também tem cálculos que mostram que a receita deste ano veio acima do previsto
– e não havia planejamento para o uso desse dinheiro extra. A receita dos
municípios para investimentos em educação é formada por 25% de todos os impostos
arrecadados, além de transferências do Estado e da União.
Disposto a
pressionar os deputados, Nogueira Filho comandará uma comitiva a Brasília na
quarta-feira para defender a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional
(13/2021). O texto impede a aplicação de punição civil, administrativa ou
criminal a gestores locais que não cumpriram o mínimo em 2020, 2021 ou nos dois
anos. Além disso, prevê que os recursos não aplicados no período sejam
obrigatoriamente investidos em educação em 2022 e 2023.
A PEC também
impede, segundo Nogueira Filho, gastos deliberados no fim do ano. “Tem gente
trocando ar-condicionado que está bom só para gastar. É isso que a gente quer
evitar. O gasto deve ser um bom gasto. Não é para torrar o dinheiro só para
cumprir a regra.”
Segundo o
deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), escolhido relator da PEC na
Câmara, a matéria deve ser votada pela Comissão de Constituição e Justiça na
quarta-feira. “Depois, a ideia é que siga direto para o plenário, entre os dias
13 e 14, a tempo de ser promulgada ainda este ano. E que a gente mantenha as
mesmas bases do relatório do Senado para que não corramos risco de voltar para
lá.”
LISTA
O Estadão
teve acesso a uma planilha da FNP que revela o baixo investimento em capitais
(Manaus, Teresina e Palmas), cidades médias (Valinhos, SP, e Garanhuns, PE) e
pequenas (Mercês, MG, e Pirenópolis, GO). A reportagem apurou que somente a
capital paulista deixou de aplicar R$ 1,5 bilhão de 2020 pra cá. Tabulação do
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, indica que 478 das 644 cidades não
investiram os 25%.
“Se teve um
período em que o investimento em educação foi mais necessário foi durante a
pandemia. Esses prefeitos foram eleitos no meio dela, eles já sabiam que uma
das suas missões seria reduzir os impactos na educação”, disse a presidente
executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz.
Estudos
nacionais e internacionais têm mostrado que os alunos brasileiros devem
regredir em décadas de aprendizado por causa da covid-19. O Brasil foi um dos
países que mais tempo ficaram com escolas fechadas no mundo, muitas vezes por
decisões de prefeituras. A maioria do ensino público retomou aulas presenciais
no segundo semestre.
Para
Priscila, o baixo investimento demonstra que a área “ainda não é prioridade”
para os gestores. Ela argumenta que os municípios poderiam ter aberto mais
turmas em ensino integral para que as crianças, de volta ao presencial,
pudessem recuperar o tempo que ficaram fora da escola. Também ressalta que era
preciso investir em tecnologia para propiciar o ensino híbrido, reformar
escolas para permitir mais ventilação e investir em um processo intenso de
recuperação, com avaliação diagnóstica. “Isso custa dinheiro.”
Mas, apesar
da crítica, Priscila defende que o dinheiro permaneça na educação – assim como
o consultor e especialista em financiamento, Binho Marques. “Já que isso
ocorreu, por incompetência da gestão pública, que o recurso seja gasto nos
próximos anos de uma maneira mais planejada e não agora em qualquer coisa.”
Ex-secretário
de Educação do Acre e de Articulação no Ministério da Educação, Marques diz que
muitas vezes quem decide sobre a verba é o prefeito ou o secretário de
Finanças. “Em geral, o secretário da Educação, que entende de ensino e saberia
no que investir, não controla o dinheiro e não sabe de gestão.”
SAÚDE
Segundo o
secretário de Educação de Teresina, Nouga Cardoso, ninguém gosta de tirar
dinheiro da educação, mas justifica a ação pela demanda da Saúde. “A primeira
preocupação tinha que ser a vida. O município precisava manter os hospitais
funcionando”, justificou. Até outubro, a cidade tinha gasto 17% no ensino. Os
92 mil alunos da rede voltaram às escolas em 16 de setembro e ainda fazem
revezamento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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