Neste domingo (23) sete escolas vão passar pela Marquês de
Sapucaí abrindo os desfiles do Grupo Especial, considerado a elite do carnaval
carioca. Entre agremiações campeãs e vice-campeãs, carnavalescos experientes e
estreantes e enredos questionadores, o público vai poder assistir temas
diferentes que apresentam questões atuais e história.
Estácio
A primeira a entrar na Marquês de Sapucaí será a Estácio, que
carrega a tradição, porque tem sua origem na Deixa Falar (apontada por
especialistas, como a primeira escola de samba do Rio).
A vermelho e branco foi campeã no ano passado no grupo da
Série A e ganhou o direito de voltar ao Grupo Especial. A escola que, em 1992,
conquistou o seu único campeonato com Paulicéia Desvairada, 70 anos de
Modernismo no Brasil, agora, no retorno, quer disputar o título com o enredo
Pedra. Para isso, conta com a carnavalesca Rosa Magalhães, uma colecionadora de
sete campeonatos pelo Império Serrano, Imperatriz Leopoldinense e Vila Isabel.
O texto do enredo indica que para o ser humano, a pedra
representa a permanência do tempo. A história passa por Minas Gerais com a
exploração de diamantes e outras pedras preciosas sob o controle da Coroa
Portuguesa. Dentro do enredo essas foram as primeiras pedras que o país
trilhou.
Na sequência, ainda em Minas, um destaque para o poeta Carlos
Drummond de Andrade, que nasceu e cresceu em Itabira. Do seu quarto, gostava de
observar o perfil montanhoso do lugar. Ele não é o único, o enredo lembra ainda
de outro mineiro, o escritor Guimarães Rosa. O enredo passa também pela Serra
dos Carajás, que recebeu o nome de seus antigos moradores: os índios Carajás.
No encerramento, uma lasca coletada na Lua conduz a história para mostrar que a
Terra vista de longe é azul, mas questiona: Até quando?
A carnavalesca está confiante na recepção do público.
“Divirtam-se bastante. O carnaval é um mistério. Acredito que o povo é que vai
dizer se gostou ou não gostou. Mas acho que vão gostar”, disse Rosa para quem a
mensagem do enredo será interpretada conforme o ponto de vista de cada pessoa.
A colecionadora de títulos completou que todas as escolas querem ganhar. “Pode
perder ocasionalmente, mas não é a vontade de ninguém lá dentro”, concluiu.
Viradouro
A segunda na avenida será a vermelho e branco de Niterói, que
foi vice-campeã no ano passado, depois de ter subido da Série A em 2018, e vem
em 2020 com o enredo Viradouro de Alma Lavada, desenvolvido pelos carnavalescos
Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon. A agremiação vai exaltar este momento de
ascensão, mas também a força Bando das Ganhadeiras, lavadeiras de Itapoã, na
Bahia, que, musicalmente, resgatou a memória de suas ancestrais.
“A Marquês de Sapucaí pode esperar uma baianidade diferente
com uma estamparia exclusiva, surpresas e espetáculos. Apesar de ser um enredo
regional com uma densidade cultural é mais do que trazer à luz personagens que
se identificam com a brasilidade”, revelou Zanon à Agência Brasil.
Toda mulher brasileira em sua essência é ganhadeira! É assim
que aponta o texto de apresentação do enredo. A essência está presente na
representação do sistema de ganhos das lavadeiras que com os seus trabalhos
conseguiam o dinheiro para comprar a alforria dos seus parceiros e para o
sustento familiar.
“É uma história de empoderamento feminino e com uma mensagem
positiva sobre a superação da mulher, nesse momento em que ela ocupa seu espaço
em todos os âmbitos da sociedade”, disse.
Mangueira
É com o enredo A Verdade vos Fará Livre, que a Estação
Primeira de Mangueira quer conquistar o bicampeonato. A verde e rosa vai trazer
como personagem principal Jesus Cristo e mostrar que ele nasceu pobre, deu a
sua face mais amorosa aos que lhe viraram as costas, separou o joio do trigo,
semeou terrenos férteis, exaltou os humildes e condenou o acúmulo de riqueza.
Vai mostrar também que Jesus se insurgiu “contra o comércio
da fé e desafiou a hipocrisia dos líderes religiosos de seu tempo”. O
carnavalesco Leandro Vieira, que já tem dois campeonatos pela escola, que será
a terceira a desfilar, indicou no texto de apresentação do enredo as questões
enfrentadas por Jesus. “Questionou o poder do império romano e condenou a
opressão. Seu comportamento pacifista e suas ideias revolucionárias inflamaram
o discurso dos algozes que passaram a incitar o estado a decretar sua sentença.
O fim todos sabemos: Foi torturado, padeceu e morreu”.
Para o carnavalesco, o enredo não é religioso e diante de
tanta importância, Jesus não pode ser representado de maneira única, quando
preso à cruz. Cada setor da escola vai trazer uma representação diferente. “Ser
um, exclui os demais. Preso à cruz, ele é a extensão de tantos, inclusive
daqueles que a escolha pelo modelo ‘oficial’ quis esconder. Sendo assim, sua
imagem humana não pode ser apenas branca e masculina”, apontou.
A ressurreição seria no Morro da Mangueira e assim poderia
ser saudado pelo povo. “Louvaríamos sua presença afetuosa com samba e batucada.
Vestiríamos todos nossa roupa mais cara. Aquela de paetês e purpurina. De cetim
com joias falsas. Desfilaríamos diante dele e, em seu louvor, instauraríamos a
lei que rege nossos três dias de folia. Sem pecado, irmanados e em pleno estado
de graça”, indicou o carnavalesco.
A conclusão é com os integrantes, acompanhados de Jesus,
descendo o morro para desfilar explicando que a cruz pesada carregada como
fardo ao longo do ano é tirada das suas costas no carnaval. “Ele sorri para a
baiana que desce para se apresentar. Ele acena com a mão direita para a
passista que amarra a sandália, enquanto a mão esquerda dá a benção para o
ritmista que rompe o silêncio com a levada de seu tamborim.
E no recado final, Jesus pede para que toda essa gente que
brinca anuncie enquanto canta sorrindo: A verdade vos fará livre.
Paraíso do Tuiuti
Com o enredo O Santo e o Rei: Encantarias de Sebastião, a
azul e amarelo do Morro do Tuiuti vai levar para o Sambódromo a história
cruzada entre a lenda do rei dom Sebastião e o santo que é padroeiro e defensor
da cidade do Rio de Janeiro e da escola. O carnavalesco João Vitor Araújo, que
esteve à frente de escolas da Série A, agora tem a responsabilidade de
desenvolver o enredo de uma agremiação do Grupo Especial.
A Tuiuti vai lembrar que o nascimento de dom Sebastião, em 20
de janeiro, é a mesma data de São Sebastião. A escola que nos últimos anos
marcou os seus desfiles por questões políticas, em 2020 quer mais descontração.
Abençoado, o rei parte em conquistas e nas águas sagradas teve a sua lenda
difundida.
Saído de Portugal chega ao Maranhão. “Assim, na crença, na
magia e nos cânticos, o Rei foi coroado no couro do tambor. Dançou com os
deuses, macerou as ervas e bebeu dos segredos das matas. Incorporou-se aos
cultos afro-ameríndios.
Entranhou-se, em alumbramento, na alma dos cantadores e
poetas populares. Da sua capa real, ornada de brilho e sonho, veio a inspiração
para tecerem as vestes do bumba-meu-boi”, diz o texto do enredo.
Conforme o texto, a cidade do padroeiro, de João Gustavo Melo,
inspirado no poema O Rei que Mora no Mar, de Ferreira Gullar e nas Encantarias
e Brasilidades de Luiz Antônio Simas, o povo, senhor de si, enfim desencantado
e despertado na bravura do rei, arrancará as flechas do peito do padroeiro [a
imagem de São Sebastião, mostra o mártir ferido por fechas]. “Sebastião, enfim,
há de restaurar o que lhe é devido: O trono do Rei e o altar do Santo. E a paz
enfim triunfará na cidade cansada de tantas batalhas…Mas nunca da luta!”.
Grande Rio
A vermelho, verde e branco de Duque de Caxias, na Baixada
Fluminense, vem perseguindo o título há muito tempo e esse ano renova as
esperanças com Tata Londirá – O Canto do Caboclo no Quilombo de Caxias. O
enredo faz homenagem a Joãozinho da Gomeia.
Nascido na Bahia, o dançarino conhecido como o Rei do
Candomblé, fixou seu terreiro em Caxias, um dos mais respeitados na cultura de
origem africana. Lá recebeu até políticos e lutava contra a intolerância
religiosa.
E é isso também que a Grande Rio quer mostrar na avenida. O
enredo desenvolvido pelos carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad, que
também são do grupo de estreantes na elite do carnaval carioca, no seu texto de
apresentação indica esta intenção. Destaca ainda a participação de Joãozinho na
luta contra os preconceitos.
“É com as bênçãos dos deuses apregoados que o Grêmio
Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Grande Rio, nas águas correntes do
sonho, levará ao asfalto sagrado uma história dos Brasis profundos. Um olhar
para o nosso passado e para o legado de um líder negro, homossexual e
nordestino, bailarino que ousou dançar com o poder instituído e enfrentou,
queixo alto e voz potente, as navalhas do preconceito”.
União da Ilha
A azul, vermelho e branco da Ilha, a sexta a entrar na
Passarela do Samba, costuma fazer desfiles descontraídos e empolgados. Neste
ano, passará na avenida com um enredo de nome comprido. Nas encruzilhadas da
vida; entre becos, ruas e vielas, a sorte está lançada: Salve-se quem puder. Os
carnavalescos são experientes Fran-Sérgio, que por muitos anos esteve na
Beija-Flor, e Cahê Rodrigues na Grande Rio e Imperatriz Leopoldinense.
Para contar a história, o enredo destacou uma jovem mãe,
negra, pobre, que pensa no futuro que poderá oferecer ao bebê que está sendo
gerado em seu ventre. Com isso, a escola quer mostrar que ela é uma brasileira
como milhões de outras mulheres vivendo em situação semelhante. Em um elo com o
desfile, a mãe acredita que “a Escola de Samba também tem compromisso com a
cidadania e que o Samba, com a sua magia, é capaz de operar verdadeiros
milagres”.
A Ilha quer que o desfile desperte para a necessidade de a
sociedade ser mais amiga e solidária. “Pode faltar arroz, feijão, leite, mas a
amizade fala mais alto. Existe sempre um jeitinho de ajudar e ser ajudado. Um
sorriso, uma palavra amiga, um olhar de ternura” indicou a escola na
apresentação do enredo.
A boa convivência defende também a diversidade religiosa e a
importância da fé. “Aqui, existem vizinhos que são do Santo, os que pregam as
Sagradas Escrituras, os que louvam o Senhor sobre todas as coisas. Se falta de
tudo um pouco, sobra fé. Graças a Deus!”
No fim da história, a mãe mostra que a comunidade se pertence
e acaba virando uma irmandade. “É exatamente isso que eu preciso ensinar a esta
criança que carrego aqui dentro: mesmo com todos os revezes que povoam o nosso
cotidiano, carregamos uma obrigação – que, assim como o Samba, não se aprende
no colégio: Amarás o próximo como a ti mesmo.
Portela
A azul e branco de Madureira e Oswaldo Cruz, a escola do Rio
com o maior número de títulos (22), vai encerrar o primeiro dia de desfiles e
pretende empolgar o público da Marquês de Sapucaí, com o enredo Guajupiá, Terra
Sem Males, uma crítica ao homem que não soube dar valor às bênçãos criadas por
Monã, o Deus dos Tupinambás no seu paraíso.
Os carnavalescos Renato e Márcia Lage, experientes no Grupo
Especial, estão estreando na Portela com enredo que tem muita relação com o
Meio Ambiente. A escola tradicional do carnaval do Rio mostrará o nascimento de
um tupinambá, com seus ritos e tradições que deveriam garantir bons presságios.
O berço em estilo de rede, ornamentado com unhas de onça e garras de águia, foi
elaborado com a intenção de que nada de mal lhe acontecesse. Tudo acontece na
Karióka, que conforme o texto de apresentação do enredo, é a lendária taba
tupinambá, erguida ao lado da “paradisíaca baía de kûánãpará”, o seu Guajupiá.
Depois conhecida como Baía de Guanabara.
O enredo diz ainda que “os tupinambás acreditavam que o homem
tinha duas substâncias essenciais: uma eterna e outra transitória e ambas, o
corpo e a alma, estavam ligadas”. A sabedoria era dos mais velhos que tinham a
responsabilidade de repassar “oralmente as histórias, o saber, e as orientações
do que deveriam fazer, aos ainda jovens, em cada fase de sua vida”. O enredo
questiona ainda o que o homem fez do seu Guajupiá.
Fonte: Agência Brasil
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