Mestre em Administração Pública por Harvard, Priscila gostaria de ver governadores e prefeitos obcecados por educação
Priscila Cruz, que se tornou a maior liderança de educação no
terceiro setor nos últimos anos, enxerga um futuro triste para um país há quase
seis meses com escolas fechadas e sem previsão de abertura em breve. "O
Brasil vai pagar um preço muito alto por escolher abrir bar antes de
escola", diz a presidente executiva do Todos pela Educação. "Dá para
afirmar com certeza, a desigualdade e a evasão vão aumentar, a aprendizagem vai
cair. E a consequência no médio e longo prazo para o País é brutal."
Mestre em Administração Pública por Harvard, Priscila
gostaria de ver governadores e prefeitos obcecados por educação. "Queria
que eles estivessem perdendo o sono porque as escolas estão fechadas." Em
vez disso, temendo um mau resultado nas eleições de novembro, muitos têm se
guiado por pesquisas em que a maioria da população se diz contrária à retomada.
"A decisão de deixar a abertura para o ano que vem é a pior que pode
existir. O prefeito pensa: é muito complexo, tem muita opinião. E empurra o problema
com a barriga."
O debate sobre a volta às aulas está polarizado e
contaminado?
É um debate complexo, tem vários componentes, e todos têm uma
carga de verdade muito grande. Pais e professores estão inseguros. A educação e
a aprendizagem estão sendo brutalmente afetadas, um problema enorme para cada
estudante, que define as oportunidades que ele vai ter na vida, e um passivo
para o País. Um terceiro componente é que as escolas não deveriam reabrir
enquanto a pandemia não estiver controlada. E o quarto é que as aulas remotas
são muito limitadoras e com resultados insuficientes. Qual é a dificuldade do
debate público? Em geral, as pessoas pegam uma só dessas afirmações, uma
bandeira. Qualquer posição que não inclua a complexidade do sistema vai ser
parcial e reducionista.
Qual é a solução então?
O gestor público que visa ao bem coletivo olha para todos os
argumentos, vê a verdade deles. Mas é função de uma liderança pública tomar a
decisão e deixar claros os critérios. Não dá para virar uma bandeira, como
"só volta depois da vacina". O resultado que se quer está claro:
reduzir o impacto na educação e não fazer que a abertura tenha grande impacto
na pandemia porque estamos falando em aumento de mortes. O que deveria ter sido
feito se o Brasil priorizasse a educação - e isso não quer dizer não se
preocupar com as vidas - era abrir as escolas antes do comércio, como outros
países. Às custas da educação, Estados e municípios reabriram o comércio.
Poderíamos, às custas do comércio, ter reaberto as escolas.
As crianças eram tidas como grandes transmissoras da covid.
Elas circulam nos shoppings também. Os espaços públicos estão
lotados de crianças agora. Há pais que estão na praça, mas não querem volta às
aulas.
Mas agora dá para abrir escolas?
Já que o comércio foi reaberto, não temos mais essa carta na
manga, a gente precisa ter um indicador claro do momento em que a escola pode
abrir. O que significa ter a pandemia sob controle? Em São Paulo, é uma cesta
de indicadores que gera as cores. É um sistema razoável, resolve para o gestor,
mas não para a população. Porque há a insegurança com relação ao gestor. A
gente tem uma cacofonia, presidente fala uma coisa, governadores outra,
especialistas, outra, tem fake news. As cores não tranquilizam a população,
ninguém sabe o que tem na caixa preta do amarelo, laranja. Se não tranquilizar,
os pais não vão mandar os filhos, os professores não vão dar aula, e a abertura
não vai funcionar. Tem de ter um indicador que todo mundo entenda, pode ser
número de casos, média móvel, que indique o momento em que se ache razoável
abrir. A comunicação é um fator determinante quando há tantos componentes no
debate.
Alguns prefeitos estão colocando 2021 como esse indicador.
Isso não é indicador, é decisão reducionista, preguiçosa, não
considera a complexidade. Ele diz: independentemente de tudo, só volta ano que
vem. Se estiver controlada em outubro, a decisão será mantida? E se a pandemia
não estiver controlada em 2021, as aulas voltam? A decisão de deixar para 2021
é a pior que pode existir. O prefeito pensa: é complexo, tem muita opinião, e
empurra o problema com a barriga. É ano eleitoral, tira o problema da frente.
Decisões tomadas em 2020 vão moldar o País por décadas. Lideranças precisam
entender que decisões difíceis e impopulares têm de ser tomadas.
Isso tudo demonstra desvalorização da educação no País?
A população brasileira valoriza a educação da boca para fora.
Quando uma população pressiona para abertura de bares e shopping, aí a
verdadeira prioridade é revelada. O prejuízo para a educação desses seis meses
vai ser muito profundo. Os livros de história vão mostrar. O Brasil vai se
arrepender de ter optado por uma reabertura fora de ordem. Se o País tomar mais
decisões equivocadas, a gente pode não recuperar nunca. A gente pode acelerar
para um fracasso retumbante e não vai se recuperar dos efeitos da economia, vai
aprofundar as desigualdades. Eu gostaria de ter governadores e prefeitos
obcecados pela educação, perdendo o sono porque as escolas estão fechadas. E
quem vai pagar é a geração covid nas escolas hoje. O Brasil vai pagar um preço
muito alto por escolher abrir bar antes de escola.
Já é possível ver os prejuízos?
A desigualdade brasileira está se ampliando pelas condições
em que a educação está sendo ofertada. Cerca de 30% não tiveram acesso nenhum a
estudo remoto e outros 70% estão em situação muito variada, tem os que
acessaram uma vez, viram na TV, aqueles com aula todos os dias. A criança está
fazendo aula na mesa da cozinha, com irmão brincando de carrinho, em casas
muito pequenas, isso sem falar das situações que me tiram o sono, estresse tóxico,
violência doméstica, abusos. Dá para afirmar com certeza, a desigualdade e a
evasão vão aumentar, a aprendizagem vai cair. A consequência no médio e longo
prazo ao País é brutal. Ao reduzir a evasão, reduz a taxa de homicídio e há
relação entre aprendizagem e salário futuro, crescimento econômico, condição
sanitária. Se puder voltar as aulas um dia, esse dia vale a pena.
Muita gente acha que não vale.
O vínculo com escola, com os professores, é premissa para a
aprendizagem. O ensino remoto é menos eficiente porque a formação de vínculo é
mais frágil. O fato de a criança ir para a escola um dia mantém o vinculo já
construído ou ajuda a refazer o que foi enfraquecido.
Se abrir em outubro, você mandará suas filhas para a escola?
Sim.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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