Discos, livro e citações em redes sociais mostram que onda em torno do artista ganha impulso em 2021.
♪ ANÁLISE – Nos anos 2000, o produtor Thiago Marques Luiz tentou em vão viabilizar a montagem de show que reuniria os cantores Belchior (1946 – 2017) e Vanusa (1947 – 2020). Intitulado Paralelas, nome da música do compositor lançada pela cantora em disco de 1975, o show jamais saiu do plano das (boas) ideias por desinteresse de instituições culturais e contratantes.
Até Belchior sair progressivamente de cena, em sumiço
arquitetado por volta de 2007, quase ninguém queria saber do artista e do
cancioneiro autoral construído pelo compositor cearense a partir do início da
década de 1970.
Tudo mudou quando Belchior morreu. Em 2021, a situação é bem
diferente de 20 anos atrás. Estão a caminho dois álbuns com músicas do
compositor – um de Ana Cañas (baseado na bem-sucedida live feita pela cantora
no ano passado com canções de Belchior) e outro de Sandra Pêra (o primeiro
disco solo da ex-Frenética desde 1983) – e um livro, Viver é melhor que sonhar
– Os últimos caminhos de Belchior, escrito por dois jornalistas, Chris Fuscaldo
e Marcelo Bortoloti, que visitaram os lugares onde o artista se exilou na
última década de vida.
Sem falar na profusão de citações nas redes sociais de verso
(“Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”) da música Sujeito de sorte,
lançada por Belchior no álbum Alucinação (1976). Verso, aliás, que Belchior
sampleou da obra do paraibano Zé Limeira (1886 – 1954), repentista e cordelista
conhecido como O poeta do absurdo.
Tantos lançamentos em torno da obra de Belchior – tendência
que se mostra forte em 2021, mas já observada desde a morte do artista, em 30
de abril de 2017 – suscitam questão. O culto a Belchior é motivado por real
interesse na obra do compositor ou por modismo?
A música Sujeito de sorte, por exemplo, estava esquecida até
ser gravada pelo cantor Danilo Moralles no álbum Voodoo prazer (2017), lançado
sete meses após a morte do artista.
Amplificada há dois anos por Emicida, rapper que sampleou na
música AmarElo (DJ Duh, Felipe Vassão e Emicida) os atualmente famosos versos
“Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro / Ano passado eu morri, mas
esse ano eu não morro”, extraídos da gravação original de Belchior, a letra de
Sujeito de sorte virou viral nas redes sociais em indício de que, sim, há nova
onda em torno de Belchior. Até porque todo produto relacionado a Belchior vende
bem, gera mídia e mobiliza seguidores.
Cultos do gênero já aconteceram de forma mais intensa com
Raul Seixas (1945 – 1989), com Renato Russo (1960 – 1996) e com outros poetas
da música que, mesmo depois de mortos, continuam agregando seguidores fiéis. Só
que, em todo culto, há os reais admiradores das obras dos artistas entre
eventuais aproveitadores.
O fato de Belchior ter virado moda jamais invalida abordagens
da obra do artista, evidentemente. A live de Ana Cañas, por exemplo, sinaliza
que o álbum gravado em estúdio pela cantora pode se tornar relevante na discografia
da artista.
Por outro lado, seria ingenuidade acreditar que todos os
projetos criados em torno de Belchior desde a morte repentina do artista, em 30
de abril de 2017, são frutos de admiração genuína por obra que perdeu fôlego
após a áurea década de 1970.
Se todo mundo achasse Belchior tão relevante assim, o
produtor Thiago Marques Luiz teria conseguido viabilizar o show Paralelas
quando o artista ainda estava vivo.
FONTE:BLOG DO MAURO FERREIRA
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