O gol de falta na final do Carioca de 2001 ainda povoa a memória, a casa e antigos uniformes de Petkovic. O momento eternizou o ídolo sérvio, colocando aquela cobrança aos 43 minutos do segundo tempo entre as conquistas históricas do Flamengo marcadas por gols inesquecíveis, ao lado de feitos como os de Rondinelli (Carioca de 1978) e Gabigol (Libertadores de 2019).
Em entrevista exclusiva ao EXTRA, Pet relembra a viagem da
bola até o gol de Helton, selando o triunfo pelo 3 a 1 e o tricampeonato
estadual, os bastidores turbulentos, a importância de Zagallo e comenta seu
lugar na história do rubro-negro.
Você ainda lembra de todos os detalhes daquele momento?
As imagens estão muito vivas, mas todos os detalhes não tem
como, ficam os mais importantes. E é uma imagem que não preciso me lembrar de
todos os detalhes porque sempre está presente, depois de ter visto tantas vezes
repetidamente. É quase como um déjà vu. A memória, o cérebro já projeta a foto
daqueles detalhes que são icônicos. A cobrança, a trajetória da bola, a
tentativa da defesa do Helton que não conseguiu chegar ou a versão da torcida
rezando nas arquibancadas e a comemoração. O Zagallo com o Santo Antônio dele.
Certas imagens não se apagam mesmo com o passar dos anos.
Guarda alguma lembrança física em casa?
Tudo, tudo, menos a bola. A camisa e o short estão num
quadro. Tenho vários e vários quadros e desenhos do gol, da comemoração,
história em quadrinhos, fotos do time, da comemoração. Tenho muitas lembranças
daquele título.
Chamamos físicos para dissecar o gol. Em teoria, era
defensável. Você acha que era?
Sempre vai ter o se. Se ele tivesse saído um ou dois segundos
antes, ele pegaria a bola no peito… Todas as bolas são defensáveis. Sempre tem
uma explicação. Se tivesse feito dessa forma ou de outra, se tivesse batido com
menos força, com menos efeito… Mas é bacana, que mesmo depois de 20 anos, ainda
chama para o debate. Mostra que é um gol muito importante. Sempre vão ter
opiniões diversas e são válidas essas discussões e análises. É boa para a
resenha no bar. Mas, no final de tudo, apesar de toda a felicidade, a maestria
e a competência que eu tive na época, essa bola foi guiada pela energia
positiva transmitida das arquibancadas. Acho que estava predestinado para eu
fazer o gol.
Do seu ponto de vista, em que momento você soube que seria
gol?
O tempo todo eu fiquei acompanhando a trajetória da bola, vi
ela subindo, descendo e entrando no ângulo. Mas o tempo todo, de onde eu
estava, não tinha uma visão completa por causa da barreira. Então fica a dúvida
se entrou ou foi para fora. Mas com a explosão do Maracanã aí você sabe que ela
entrou, tem certeza de que entrou. Realmente foi uma batida muito feliz, feita
com muita precisão.
Qual foi a importância do Zagallo naquele dia?
Era um jogo muito complicado, contra um rival melhor do que a
gente naquele momento. Eles tinham mais experiência, um time mais vencedor. Mas
nós tínhamos o velho lobo Zagallo do nosso lado. E soube, com toda a sua
sabedoria e experiência, passar pra gente os conselhos que nos deram a
oportunidade de brigar pela conquista dependendo só do nosso futebol e dos
valores competitivos. Fomos para o intervalo com 1 a 1, precisávamos de dois
gols. O papo foi de que ‘nós podemos, que precisamos correr os riscos maiores
do que o normal, confiamos na nossa capacidade de recuperação e muita fé’. Não
tínhamos medo de perder. Eu coloquei a cereja no topo do bolo, mas a construção
começa na comissão técnica.
Ele conversava muito contigo?
Sim. Antes daquele jogo nós conversamos. Se não fosse ele,
não teria jogado. Ele comprou a briga com a diretoria. Me disse que não
interessava a diretoria, que me queria em campo para ter mais chances. A briga
com a diretoria era tão grande, a falta de pagamento tão enorme… Ele me
perguntou: ‘Quer jogar?’ Falei que sim. Ele respondeu que então eu iria jogar.
Ainda falei: ‘Tem certeza?’ Ele disse: ‘Vai! Eu quero’.
Hoje, os gols de falta são raridade no futebol brasileiro.
Por quê?
Acho que é uma junção de várias coisas. Falta um pouco de
talento, mas falta muito mais de prática. Preparação da barreira, do goleiro,
falta tudo isso. A ciência da fisiologia e dos preparadores físicos dizendo que
agora não pode. Quem pratica menos também tem lesões… Todas as minhas lesões
foram na corrida, não na batida. Se fizer estatística, a maioria vem do choque
ou da distensão muscular. Vem do chute também, mas menos. Há um debate nisso.
Claro que a corrida e o chute causam um impacto, mas se faz treinamentos
específicos, você tem que elevar as qualidades do jogador. Se preparar os
treinamentos e uma boa metodologia tem como atender um requisito do jogo que é
importante, a bola parada. Mas de qualquer forma, aprenda com o Pet. Vou lançar
aula de falta. Que saudades daqueles jogadores da minha época.
Tanto em 2001 quanto em 2009, havia questões políticas do
clube e problemas extracampo? Por que deu certo?
Sempre vai existir algum problema nos bastidores. São 30
cabeças, 30 pensamenos, 30 gênios diferentes. Muita vaidade. Tem o craque,
aquele que quer ser, aquele que se acha e o que é craque, mas não é
considerado. Não é fácil criar um ambiente e um time homogêneos. É importante
que tenha uma sinergia entre vestiário, comissão técnica, diretoria. É preciso
ter pessoas que saibam lidar com essas coisas. E tivemos. Naquela época, tinha
tudo feito para dar errado. Mas tivemos um elo fundamental que era o Zagallo,
que sabia mais de cartola do que os próprios cartolas, sabia mais dentro do
campo que os próprios jogadores e soube ser essa esponja que absorvia dos dois
lados. E isso não era fácil, mas ele conseguia viver intensamente os três
lados: jogador, técnico e coordenador. Em 2009, esse elo foi o Andrade, conseguimos
fechar o ambiente e não deixamos nada entrar de fora.
Em 2019, na conquista da Libertadores, você se lembrou de
2001 no momento do segundo gol do Gabigol?
Não veio à memória. Eu estava falando que ia acontecer.
Estava convencendo o produtor que estava no jogo a descermos porque o Flamengo
ia fazer o gol. Estávamos lá no telhado do estádio e dizendo: ‘Temos que descer
para entrar no campo’. A produção falando para esperar porque eu e o Júnior só
entraríamos se o Flamengo ganhasse. Eu lá de cima enchendo o saco que tínhamos
de descer, se não ia dar confusão. Eu disse que vai fazer o gol, no minuto 43.
E o Gabi faz no minuto 43. O Flamengo empata e todo mundo me chamando de
maluco. Eu estava pressentindo. Acho que precisava que aquele momento acontecesse
de novo depois de 38 anos. A torcida na arquibancada precisava reviver essa
emoção de novo.
O Flamengo atual tem outro estrangeiro. O Arrascaeta pode ser
um ídolo como você?
Está fazendo história, mas pode fazer ainda mais. Tem tudo
aberto para ser um ídolo. Todo mundo joga bem ou joga mal, mesmo os craques.
Guardando a minha história, jogo importante, na maioria das vezes, eu sempre
apareci. Chamava a responsabilidade, gostava disso. Por isso, foram muitos
momentos marcantes nos jogos grandes. O Gabigol agora é ídolo porque aparece
nas decisões. Isso é diferencial. Arrascaeta tem tudo para ser, mas falta ainda
um pouco disso. Ele aparece, faz assistência, mesmo sem fazer um grande jogo,
mas ainda falta. Mas se ficar mais tempo tem a chance de conquistar e conseguir
ultrapassar.
O que aquele gol representou na sua carreira? Imaginava que
se tornaria um momento histórico?
Um grande trampolim. Foi na metade, mais ou menos, da minha
carreira. Chegou na hora certa. Pelo talento que eu tinha, tudo o que já
falavam de mim como um craque, mas sabia que estava faltando uma coisa. E aí
esse gol foi um carimbo. O meu carimbo. Quando a ficha caiu? Anos depois.
Aquele momento é adrenalina, é a conquista e tudo o mais. Você está feliz, mas
vê de uma forma normal, a conquista de um título. Não tem noção que vai dar
tanta repercussão e tanta importância. Com o tempo, cada vez mais, eu vi que
realmente era um fato histórico, legendário e jamais será esquecido. E por um
bom tempo foi o melhor e o título inesquecível para o torcedor.
Até hoje você sente a idolatria da torcida por causa daquele
gol? Mesmo das novas gerações?
Sinto isso sim. Todos aqueles que viram isso e presenciaram
realmente tiveram um momento inesquecível. E estão passando isso para os
filhos. É uma felicidade, uma honra enorme. Conquistei outros títulos no meu
retorno também e isso soma, é claro. As crianças de hoje em dia só sabem se os
pais ou os avós mostrarem. Mas os adolescentes reconhecem por que escutaram
essa história por muito tempo. Acho que a grande maioria das pessoas acima dos
30 sabe e se lembra de tudo aquilo. Todos têm isso guardado.
Aquela conquista foi maior que a do Brasileiro de 2009?
A nossa emoção, aquele momento de 2001 foi muito intenso.
Mais marcante do que 2009? Acho que pela forma como foi, sim. Claro, que 2009
foi a conquista de um Brasileiro, 17 anos depois… Acho que cada conquista tem
seu espaço, seu lugar de importância. Para cada um pode ser diferente. Mas o
futebol é a paixão do torcedor, e o que aconteceu há 20 anos representa isso.
Lembro de outra emoção assim na Libertadores, com o gol do Gabigol. E
anteriormente, algo grande assim foi o gol do Rondinelli, que eu não estava,
mas vi repetidas vezes pelas imagens de arquivo. A outra foi como autor e a
última como espectador.
As informações são do Extra.
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