Especialistas afirmam que alta dos juros, encarecimento do crédito e escalada da inflação são os principais responsáveis pelo novo crescimento do endividamento no país
O nível de
inadimplência no Brasil ultrapassou em fevereiro a marca de 65 milhões de
pessoas pela primeira vez desde maio de 2020, quando o país e o mundo
enfrentavam o auge da primeira onda da pandemia de Covid-19.
O último
levantamento mensal realizado pela Serasa, divulgado na semana passada, mostra
que 65.169.146 de pessoas encontravam-se inadimplentes. O número é superado nos
últimos dois anos em apenas dois períodos: abril de 2020, que registrou
65.908.612 inadimplentes, e maio daquele ano, com 65.231.943 de devedores.
O dado de
fevereiro deste ano é superior ao registrado em todos os outros meses entre
2020 e 2022, inclusive ao período pré-pandemia. Em fevereiro de 2019, por
exemplo, 62.172.903 estavam em situação de inadimplência — 3 milhões a menos.
Segundo
especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business, a inadimplência no Brasil hoje
possui traços diferentes daqueles que eram observados em 2020, quando o mundo
experimentou o início de uma crise provocada por um novo vírus.
“Nós
atingimos um número de pessoas semelhantes ao do início da pandemia, mas as
causas são diferentes”, disse Patrícia Camillo, gerente da Serasa.
Ela explicou
que a escalada da inflação e dos juros a partir do surgimento da pandemia da
Covid-19 fizeram com que a inadimplência atingisse, atualmente, patamares
elevados.
Em 17 de
junho de 2020, a Selic estava na mínima histórica de 2,25% ao ano, enquanto o
IPCA (Índice de Preços ao Consumidor-Amplo) no acumulado de 12 meses era 2,13%.
Atualmente, a taxa básica de juros é 11,75% ao ano, enquanto a inflação dos
últimos 12 meses chegou a 11,30%.
De acordo
com Patrícia Camillo, apesar de o início da pandemia ter sido muito delicado
para a economia, o período contou com incentivos e estímulos governamentais que
impediram que os dados daquele tempo fossem ainda piores.
No atual
cenário, a reabertura de estabelecimentos e a retirada de medidas de restrições
contribuem para a retomada da economia, que por sua vez possui alguns segmentos
historicamente com taxas de inadimplência maiores, como é o caso de bancos e
cartões.
“O segmento
de bancos e cartões geralmente registra índices mais elevados de inadimplentes
ao comparar com outros setores, mas ultimamente esse movimento tem sido um
pouco mais acentuado, pois as pessoas usam muito o cartão para alimentação, que
foi muito impactada pela inflação”, explicou.
O segmento
de bancos e cartões registrou 28,63% no nível de inadimplência em fevereiro de
2022, segundo a Serasa. Logo atrás estão as categorias de serviços de utilidade
(23,19%), varejo (12,54%) e telecomunicações (7,43%).
A categoria
de bancos e cartões sempre liderou o levantamento, mas obteve um modesto
crescimento este ano ao comparar com o auge pandêmico inicial.
Segmentos
que mais acumulam dívidas no Brasil
A Serasa
explicou ao CNN Brasil Business que a somatória das categorias não resulta em
100% pois há diversos outros segmentos com indicadores insignificantes para
divulgação dos resultados.
Patrícia
Camillo também ressaltou que o valor total das dívidas está chegando perto do
patamar pré-pandêmico. Em 2019, o valor somado chegava a R$ 230 milhões, mas
isso mudou com a chegada do vírus, levando o índice a patamares menores, entre
R$ 208 milhões e R$ 210 milhões.
No último levantamento,
o valor da dívida total chegou a R$ 221 milhões, acima do registrado nos meses
anteriores e se aproximando dos números anteriores a 2020.
Vale destacar que a Serasa divulga o próximo índice de inadimplência no Brasil, referente ao mês de março, dia 17 de abril.
O economista
Gesner Oliveira também afirmou que as características da inadimplência atual
diferem daquelas observadas pelos especialistas durante o primeiro semestre de
2020.
“Naquele
período houve uma queda súbita na renda da população, na perda de emprego e na
retirada de trabalho”, destacou.
“Agora,
temos uma certa recuperação na economia, ainda muito modesta, mas o que muda é
que tivemos também um encarecimento do crédito. Os juros cresceram muito
rápido, em nível recorde desde 2021”, observou.
Segundo o
economista, o principal problema é que a renda e o emprego não acompanharam o
aumento dos juros. A renda estagnada, o que faz com que o brasileiro perca seu
poder de compra.
Apesar
disso, Oliveira analisou que existe uma demanda reprimida por conta do período
pandêmico que faz com que as pessoas desejem ir às compras.
“É natural
que haja uma demanda reprimida, mas não acho que seja uma falsa sensação de
poder de compra. No setor de vestuários, tecidos e calcados, por exemplo, compreensível
que as pessoas estejam voltando a sair e fazer compras”, afirmou.
Ainda assim,
o economista acredita que é necessário projetar uma educação financeira mais
forte no país, explicar para o recebedor de crédito quanto ele está pagando,
qual a sua real renda e como ele pode contrair dívidas com os juros.
“A educação
financeira é um problema no mundo, observamos o comportamento dos consumidores
nos EUA e há muito endividamento imprudente. Existem pessoas marginalizadas que
não têm acesso a esse tipo de conhecimento”, ressaltou.
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