Analistas temem que "licença para furar o teto" provoque fuga de dólares do país
O governo anunciou na quarta-feira (20) que o Auxílio Brasil deverá ter mesmo o valor de R$ 400. Para permitir essa despesa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou mais tarde que estuda uma forma de alterar teto de gastos.
A ‘licença
para furar’ o teto não caiu bem nos mercados. No início desta quinta-feira, o
dólar já dava a medida: logo na abertura, chegou a bater os R$ 5,67. A Bovespa
também opera em forte queda.
O ‘pânico’
do mercado cresce nessa situação porque a economia brasileira tem um problema
estrutural nas suas contas públicas. E o teto de gastos – que está ameaçado de
ser rompido – , é considerado a âncora fiscal do país.
Com esse
aumento da percepção de risco, há uma saída de dólares do país, o que provoca
uma desvalorização do real em relação ao dólar. Na ponta, esse movimento se
reflete em mais inflação, aumento de juros e menor crescimento econômico.
O Auxílio
Brasil é uma tentativa do governo Bolsonaro de dar um cara para a área social e
estancar a perda de popularidade num ano pré-eleitoral. As pesquisas de opinião
mostram que, se a disputa fosse hoje, Bolsonaro seria derrotado pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O que propôs
Guedes?
Segundo o
ministro, há duas alternativas em estudo para viabilizar o pagamento do Auxílio
Brasil:
rever o teto
de gastos, acabando com o descasamento existente entre as correções do teto e
das despesas obrigatórias. Com isso, o governo poderia abrir espaço fiscal no
Orçamento de 2022.
excepcionalizar
a parcela do auxílio que não cabe no teto, ou seja, deixar esse montante fora
da regra fiscal. Essa licença para “furar” o teto seria limitada a pouco mais
de R$ 30 bilhões em 2022, segundo o ministro.
Por que o
mercado não gostou?
O mercado
esperava, a princípio, que o novo benefício social do governo Bolsonaro tivesse
um valor menor, de R$ 300. Isso porque os recursos destinados para o pagamento
já estavam definidos, incluindo uma ampliação do programa para quem está hoje
na fila de entrada do Bolsa Família.
De acordo
com o blog do Valdo Cruz, o maior valor destinado para o Auxílio Brasil foi
considerado uma vitória da ala política, que tinha o objetivo de recuperar a
imagem do presidente para a disputa da reeleição. Esperado para esta terça, no
entanto, o anúncio foi adiado.
“O prêmio de
risco tem que aumentar mesmo. O mercado está entendendo essas medidas como
populismo fiscal, de cunho eleitoreiro”, disse Sérgio Goldenstein, chefe da
área de estratégia da Renascença, em entrevista para agência Reuters.
“Além disso,
você está desmoralizando o teto de gastos. Por que o governo a ser eleito em
2022 precisará respeitar o teto de gastos se o de agora não respeita?”,
afirmou.
“Esse
‘waiver’ que o ministro pediu ontem é o fim do teto de gastos”, afirmou em
entrevista à GloboNews o economista Guilherme Tinoco.
“Está claro,
com as declarações de ontem, que não o Guedes não vai sair e já está ok com
esse ‘waiver’, que, na verdade, coloca o fim do teto de gastos. Lembrando
também que já tivemos os precatórios, então esse ‘waiver’ não é o primeiro
grande furo no teto. A questão dos precatórios o governo descobriu que tinha
uma conta de R$ 90 bi pra pagar e está fazendo uma PEC para pagar só R$ 40.
Então, já tinham uma ‘waiver’ de R$ 50 bi e agora estão pedindo mais R$ 30, e
não sabemos o que vem pela frente”, completa.
Por que o
governo tem dificuldade em financiar o Auxílio Brasil?
O governo
Bolsonaro planejava bancar o Auxílio Brasil com a reforma do Imposto de Renda
ainda neste ano. O governo pretendia bancar o programa com a taxação de lucros
e dividendos.
Mas a
proposta só foi aprovada na Câmara dos Deputados e ainda precisa do aval do
Senado. A principal fonte de renda sairia das empresas, que arcariam com um
tributo fixado em 15% dos rendimentos, na fonte.
O ministro
foi avisado que há muitas resistências ao projeto de reforma do IR e que não se
podia contar com aqueles recursos para o novo programa social. Como o adicional
é temporário, o próximo governo terá a responsabilidade de criar recursos ou
retornar ao Bolsa Família como é hoje.
As regras
podem não ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas passam ao mercado
financeiro uma imagem de que o “vale-tudo” para a reeleição de Bolsonaro já
começou.
Por que a
crise fiscal do Brasil assusta?
O Brasil é
considerado um país com elevado grau de endividamento para uma economia
emergente. No passado, por exemplo, a piora da situação fiscal fez com que o
Brasil perdesse o grau de investimento pelas principais agência de
classificação de risco.
A explosão
da dívida pública e o risco de um descontrole da situação fiscal é apontado por
analistas e investidores como um dos principais fatores de incerteza doméstica,
podendo inclusive inviabilizar uma retomada sustentada da economia brasileira.
O problema
não é novo. Desde 2014, o Brasil tem gastado mais do que arrecada com impostos,
o que gera o chamado déficit primário e amplia o endividamento. Mas com a
pandemia as despesas do governo dispararam e a situação se agravou, reacendendo
a discussão sobre a urgência de medidas de ajuste fiscal.
Uma política
fiscal frágil afasta investidores do país, levando a perda de valor de moeda
brasileira, o que dificulta o controle da inflação. O risco fiscal pode ser
traduzido pela combinação de uma situação crítica nas contas públicas e a falta
de um plano crível e executável de estabilização da trajetória da dívida.
Além da
forte desvalorização do real frente ao dólar em 2020, a percepção de maior
risco fiscal fica mais evidente na recente subida nas taxas de juros de títulos
públicos de prazo mais longo. Ou seja: diante de um maior risco de não receber
o dinheiro de volta, o mercado está cobrando mais caro para financiar a dívida
do governo.
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